Respostas
Os escritos da artista possuem conexões com elementos culturais de seu grupo de origem, africano e afro-mineiro, e também com a literatura de cunho romântico. Segundo a historiadora Elena Pajaro Peres, que desenvolve seu pós-doutorado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, com bolsa FAPESP, isso é consequência da formação que está por trás de Carolina de Jesus enquanto artista. “Sua escrita tem conexão com uma cultura muito mais ampla do que São Paulo dos anos 50 na favela do Canindé, apesar da importância desse período”, explica a pesquisadora.
Para ela, a formação da escritora se deu a partir de três pontos principais. O primeiro deles foi a comunidade afro-católica em que nasceu, na pequena cidade de Sacramento (MG), inserida no Triângulo Mineiro. Carolina conta em suas memórias que conviveu muito com seu avô, um ex-escravo e rezador de terço filho de africanos originários da África Central. Suas primeiras ideias sobre a importância de ser livre vieram a partir das histórias acerca da escravidão narradas por ele. “Então a religiosidade afro-católica da Carolina é muito forte, porque vem dessa base de formação”, afirma Elena.
Outro ponto relevante para compreender os aspectos afroculturais da obra de Carolina são as leituras feitas por um oficial de justiça mulato, que lia todas as tardes em Sacramento o jornal O Estado de S. Paulo para os negros não-alfabetizados, entre eles a escritora ainda criança. Por esse motivo, Carolina, muito antes de ser alfabetizada, já tinha conhecimentos sobre os abolicionistas, a primeira guerra e outros assuntos importantes.
Essas leituras foram essenciais para a formação de um pensamento crítico e uma relação de pertencimento à cultura africana mesmo antes de entrar na escola. Carolina teve a oportunidade de estudar por dois anos em um colégio espírita, Allan Kardec, que tinha como proposta uma educação que visava o autodesenvolvimento. Esse é o terceiro ponto. Alfabetizada, a artista passou a ler livros românticos, que influenciaram na escrita que mais tarde iria desenvolver. “Então há uma confluência de fatores: há uma influência forte da cultura afro-diaspórica, mas há também uma literatura oral com mensagens provenientes do jornalismo e da cultura letrada”, explica Elena.