Respostas
Os poetas de fato relevantes – aqueles que, segundo a definição de Décio Pignatari, ajudam “a fundar culturas inteiras”2 – estão todos mortos. Eles precisaram morrer, ao menos durante algum tempo e, principalmente, para os seus leitores e continuadores. A prova de sua relevância pode ser confirmada no momento em que a poesia que realizaram consegue romper essas intermitentes passagens opacas impostas pelo esquecimento. Todavia exsurgem mais vigorosos depois disso. Não é o caso, paradoxalmente, do poeta Paulo Leminski, pois seu vulto ainda parece se encontrar entre nós. Leminski, entre outros motivos, não é relevante porque ainda não está morto. No diálogo Fédon, Sócrates – não muito distante do momento de ingerir o veneno – ao defender a ideia segundo a qual homens de bom senso não devem irritar-se com a proximidade da morte, parece não ver a hora de estar junto daqueles homens que já morreram e que valem mais do que os que ficarão após seu fim.3 Se Platão não nos prega uma peça quando, pela boca de Sócrates, afirma que, segundo uma antiga tradição grega, a morte é muito melhor para os bons do que para os maus, então talvez encontremos aí uma explicação, ainda que inadvertidamente cômica, para essa insistência em preservar vivo Paulo Leminski.
Digamos de outro modo, o poeta segue vivo na devoção e na continuação, como mimese rebaixada de sua poesia, na poesia de muitos dos seus discípulos diretos ou indiretos. Segue vivo naquele sentido em que seus admiradores mais radicais teimam em não aceitar a morte do mestre. Segue vivo da mesma maneira como seguem vivos, ainda, Elvis, Elis e Raul. Não faz muito Paulo Franchetti fez, a este propósito, uma observação parecida: “Neste momento, Leminski continua a ser uma presença forte na poesia brasileira, com legião de imitadores”.4A oportunidade do repouso até agora não lhe foi concedida. De resto, em vida, não é aniquilador ao poeta experimentar um ou outro período de esquecimento e de silêncio. Um poeta sempre em evidência acaba se dedicando menos aos seus poemas do que ao culto de si mesmo. Mas quando um poeta sabe produzir poesia? O tempo todo? Ou enquanto precisa cada similitude fônica e durante cada traço ou na condução integral do poema?
Leminski sobrevive na metonímia do seu bigode. Seu póstumo poema-fetiche. Mas isso é bem característico do pensamento da propaganda: impor-nos uma marca, uma senha que identifique a coisa longamente ofertada a um desejo mais ou menos condicionado. Se os aspectos mercadológicos continuarem exercendo esse papel decisivo na modelagem da fruição dos objetos da arte verbal, chegará o dia em que Manuel Bandeira, ou melhor, sua poesia seja evocada pelo traço caricato de dentuço que o poeta apresentava. A circunstância ocupa o lugar da propriedade. A este propósito cabe referir o clipe de lançamento de Toda poesia Paulo Leminski, a peça publicitária repete a fórmula do bordão visual que, no caso, trata-se do bigode do poeta.