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Havia um menino diferente dos outros meninos. Tinha o olho direito preto, o esquerdo azul e a cabeça pelada. Os vizinhos mangavam dele e gritavam:
- Ô pelado!
Tanto gritaram que ele se acostumou, achou o apelido certo, deu para se assinar a carvão nas paredes: Dr. Raimundo Pelado. Era de bom gênio e não se zangava; mas os garotos dos arredores fugiam ao vê-lo, escondiam-se por detrás das árvores da rua, mudavam a voz e perguntavam que fim tinham levado os cabelos dele. Raimundo entristecia e fechava o olho direito. Quando o aperreavam demais, aborrecia-se, fechava o olho esquerdo. E a cara ficava toda escura.
Não tendo com quem entender-se, Raimundo Pelado falava só, e os outros pensavam que ele estava malucando.
Estava nada! Conversava sozinho e desenhava na calçada coisas maravilhosas do país de Tatipirun, onde não há cabelos e as pessoas têm um olho preto e outro azul.
Capítulo II
Um dia em que ele preparava, com areia molhada, a serra de Taquaritu e o rio das Sete Cabeças, ouviu os gritos dos meninos escondidos por detrás das árvores e sentiu um baque no coração.
- Quem raspou a cabeça dele? - perguntou o moleque do tabuleiro.
- Como botaram os olhos de duas criaturas numa cara? – berrou o italianinho da esquina.
- Era melhor que me deixassem quieto. – disse Raimundo baixinho.
Encolheu-se e fechou o olho direito. Em seguida, foi fechando o olho esquerdo, não enxergou mais a rua. As vozes dos moleques desapareceram, só se ouvia a cantiga das cigarras. Afinal as cigarras se calaram.
Raimundo levantou-se, entrou em casa, atravessou o quintal e ganhou o morro. Aí começaram a surgir as coisas estranhas que há na terra de Tatipirun, coisas que ele tinha adivinhado, mas nunca tinha visto. Sentiu uma grande surpresa ao notar que Tatipirun ficava ali perto de casa. Foi andando na ladeira, mas não precisava subir: enquanto caminhava, o monte ia baixando, baixando, aplanava-se como uma folha de papel. E o caminho, cheio de curvas, estirava-se como uma linha. Depois que ele passava, a ladeira tornava-se a empinar e a estrada se enchia de voltas novamente.
GRACILIANO RAMOS. A terra dos meninos pelados.
- Ô pelado!
Tanto gritaram que ele se acostumou, achou o apelido certo, deu para se assinar a carvão nas paredes: Dr. Raimundo Pelado. Era de bom gênio e não se zangava; mas os garotos dos arredores fugiam ao vê-lo, escondiam-se por detrás das árvores da rua, mudavam a voz e perguntavam que fim tinham levado os cabelos dele. Raimundo entristecia e fechava o olho direito. Quando o aperreavam demais, aborrecia-se, fechava o olho esquerdo. E a cara ficava toda escura.
Não tendo com quem entender-se, Raimundo Pelado falava só, e os outros pensavam que ele estava malucando.
Estava nada! Conversava sozinho e desenhava na calçada coisas maravilhosas do país de Tatipirun, onde não há cabelos e as pessoas têm um olho preto e outro azul.
Capítulo II
Um dia em que ele preparava, com areia molhada, a serra de Taquaritu e o rio das Sete Cabeças, ouviu os gritos dos meninos escondidos por detrás das árvores e sentiu um baque no coração.
- Quem raspou a cabeça dele? - perguntou o moleque do tabuleiro.
- Como botaram os olhos de duas criaturas numa cara? – berrou o italianinho da esquina.
- Era melhor que me deixassem quieto. – disse Raimundo baixinho.
Encolheu-se e fechou o olho direito. Em seguida, foi fechando o olho esquerdo, não enxergou mais a rua. As vozes dos moleques desapareceram, só se ouvia a cantiga das cigarras. Afinal as cigarras se calaram.
Raimundo levantou-se, entrou em casa, atravessou o quintal e ganhou o morro. Aí começaram a surgir as coisas estranhas que há na terra de Tatipirun, coisas que ele tinha adivinhado, mas nunca tinha visto. Sentiu uma grande surpresa ao notar que Tatipirun ficava ali perto de casa. Foi andando na ladeira, mas não precisava subir: enquanto caminhava, o monte ia baixando, baixando, aplanava-se como uma folha de papel. E o caminho, cheio de curvas, estirava-se como uma linha. Depois que ele passava, a ladeira tornava-se a empinar e a estrada se enchia de voltas novamente.
GRACILIANO RAMOS. A terra dos meninos pelados.
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A maioria dos habitantes se assemelhava ao menino, pois tinha a cabeça pelada e um olho preto e outro azul. Até mesmo o automóvel tem, no lugar dos faróis, dois olhos parecidos com os do menino.
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