• Matéria: Português
  • Autor: valeskagsh6973
  • Perguntado 8 anos atrás

Capítulo 1 — Im pressão

“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.” Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados matemos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo — a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida. Eu tinha onze anos. (POMPEIA, Raul. 0 Ateneu. Organização e notas de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: Olac: Fename, 1981. p. 29-31. (Vera Cruz. v. II).)

Capítulo 2 — Escola

Durante o tempo da visita, não falou Aristarco senão das suas lutas, suores que lhe custava a mocidade e que não eram justamente apreciados. “Um trabalho insano! Moderar, animar, corrigir esta massa de caracteres, onde começa a ferver o fermento das inclinações; encontrar e encaminhar a natureza na época dos violentos ímpetos; amordaçar excessivos ardores; retemperar o ânimo dos que se dão por vencidos precocemente; espreitar, adivinhar os temperamentos; prevenir a corrupção; desiludir as aparências sedutoras do mal; aproveitar os alvoroços do sangue para os nobres ensinamentos; prevenir a depravação dos inocentes; espiar os sítios obscuros; fiscalizar as amizades; desconfiar das hipocrisias; ser amoroso, ser violento, ser firme; triunfar dos sentimentos de compaixão para ser correto; proceder com segurança, para depois duvidar; punir para pedir perdão depois... Um labor ingrato, titânico, que extenua a alma, que nos deixa acabrunhados ao anoitecer de hoje, para recomeçar com o dia de amanhã... Ah! meus amigos, concluí ofegante, não é o espírito que me custa, não é o estudo dos rapazes a minha preocupação... É o caráter! Não é a preguiça o inimigo, é a imoralidade!” Aristarco tinha para esta palavra uma entonação especial, comprimida e terrível, que nunca mais esquece quem a ouviu dos seus lábios. “A imoralidade!” [•••] Notando a minha perturbação, o diretor desvaneceu-se em afagos. “Mas para os rapazes dignos eu sou um pai!... os maus eu conheço: não são as crian­ ças, principalmente como você, o prazer da família, e que há de ser, estou certo, uma das glórias do Ateneu. Deixem estar...” Eu tomei a sério a profecia e fiquei mais calmo. (POMPEIA, Raul. 0 Ateneu. Organização e notas de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: Olac: Fename, 1981. p. 55-56. (Vera Cruz, v. II).

1. No trecho do capítulo 1, o narrador-personagem apresenta o espaço coletivo do internato como um mundo
fechado, verdadeiro microcosmo. Que efeito causa no leitor o enunciado em discurso direto no início do romance?
2. A narrativa pressupõe um narrador em dois momentos: o que conta e o que age. Qual é a importância desse desdobramento? Cite algumas expressões que comprovam essa dissociação.
3. Sobre que assunto discursa o diretor no capítulo 2?
4 . Com esse discurso, Aristarco recepcionou o adolescente Sérgio e seu pai na sala de visitas do Ateneu.
a) Como ele caracterizou a atividade de diretor?
b) Qual é o objetivo de Aristarco?
c) Que reação ele causou no adolescente?

Respostas

respondido por: Anônimo
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1. O enunciado em discurso direto logo no começo do livro causa a impressão firme praticamente de uma manchete de jornal, anunciado o que encontraremos pela frente. É tanto uma afirmativa ("vais encontrar o mundo") quanto uma admoestação ("coragem para a luta").

2. A importância da distância temporal entre o narrador que conta e aquele que vive é o distanciamento das emoções, uma outra perspectiva sobre os fatos, mais ponderada e madura, como ele denota no primeiro capítulo ao considerar que o passado, tratado com nostalgia, é sempre um eufemismo enviesado: "os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas."

3. No capítulo 2, o diretor discursa sobre a sua função como disciplinador dos alunos.

4. a) Aristarco caracteriza a função de diretor como uma tarefa árdua e altamente moral, virtuosa, um fardo e uma missão.
b) Com isso, Aristarco pretende impressionar o pai e o aluno ingressante na escola, convencê-los de sua idoneidade, eficácia e qualidade do Ateneu como instituição.
c) O adolescente recém-chegado fica muitíssimo impressionado com o diretor, e acaba se tranquilizando com suas palavras afáveis do final.  
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