Leia um trecho de uma entrevista concedida pelo pensador francês Edgar Morin sobre as mobilizações populares ocorridas na França e em outros países em maio de 1968. Essa entrevista foi concedida em 2008, ou seja, 40 anos após o “Maio de 68”.
Folha - Quarenta anos depois, o que ficou dos acontecimentos de Maio de 68?
Edgar Morin - 1968 foi, antes de mais nada, um ano de revolta estudantil e juvenil, numa onda que atingiu países de naturezas sociais e estruturas tão diferentes como Egito, EUA, Polônia... O denominador comum é uma revolta contra a autoridade do Estado e da família. A figura do pai de família perdeu importância, dando início a uma era de maior liberdade na relação entre pais e filhos.
A revolta teve um caráter mais marcante nos países ocidentais desenvolvidos. Teóricos achavam que vivíamos numa sociedade que resolveria os problemas humanos mais fundamentais. E, de repente, percebeu-se que havia uma insatisfação na parte mais privilegiada dessa sociedade, que é a juventude estudante. Jovens de classes privilegiadas que desfrutavam de bens materiais preferiram buscar uma vida comunitária, num sinal de que o consumismo da sociedade ocidental não resolvia os problemas e aspirações humanas. Muitos desses jovens trocaram a cidade pela vida com as cabras, em busca de felicidade. Esses grupos não duraram, porque não conseguiram resolver os problemas e conflitos - só perduram comunidades que têm o cimento religioso.
Mas o importante é que houve um processo de autoafirmação da adolescência como entidade social e cultural. O rock, muito além da música, consiste em agrupamentos de jovens. É uma maneira de se vestir e se comportar. É a autonomização da adolescência, que se afirma por oposição ao mundo adulto dos professores e pais.
Depois disso, a poeira baixou e tudo pareceu voltar ao que era antes. Mas houve mudanças, sim. Foi depois de 68 que os homossexuais e as minorias étnicas se afirmaram e que o novo feminismo se desenvolveu. A imprensa feminina francesa pré-68 dizia: "sejam bonitas e façam uma boa comidinha para agradar aos seus maridinhos”.
Depois de 68, essa mesma imprensa passou outro recado: "vocês estão ficando velhas, seus filhos foram embora e seus maridos as traem, então resistam". Foi uma verdadeira crise da ideia de felicidade, que é a grande mitologia da sociedade ocidental. [...]
Folha - Mas o mal-estar que causou Maio de 68 permanece...
Morin - Não só permanece, como agravou- -se. Onde há vida urbana e desenvolvimento, há estresse e ritmos de trabalho desumanos. A poluição causa males terríveis, e nossa civilização é incapaz de impedir a criação de ilhas de miséria. Mas o que piorou mesmo foi o fato de termos perdido a fé no progresso. O mundo ocidental dava como certa a ideia de que o amanhã seria radioso. Mas, nos anos 90, percebeu-se que a ciência trazia também coisas como armas de destruição em massa e que a economia estava desregulada, enterrando de vez a promessa de que as crises haviam deixado de existir.
O sentimento de precariedade é agravado pelo fato de os pais não saberem se seus filhos terão um emprego. Tampouco há esperança vinda da esfera política. Os políticos hoje se contentam em pegar carona no crescimento econômico. Não bastasse a ilusão de que esse crescimento da economia resolveria os problemas, eis que agora impera a estagna ção. O mal-estar está mais profundo, inclusive nas classes que têm acesso ao consumo. E quando não há mais futuro, a gente se agarra a um presente desprovido de sentido ou ao passado — nação e religião. [...]
(A D G H IR N I. Sam y. F olha d e S . P au lo . 28 abril 2 0 0 8 . D isponível em: < w w w 1 .fo lh a .u o l.co m .b r/fsp /m u n d o /ft2 8 0 4 2 0 0 8 1 3 .h tm > . A ce sso em : 25 nov. 2015. F o rn e cid o pela Folhapress).
a) Na opinião de Edgar Morin, o que foi o “Maio de 68”?
b) Quais foram as principais mudanças ocorridas depois que “a poeira baixou”?
c) Morin afirma que a situação social se agravou nas últimas décadas no Ocidente. Quais exemplos ele utiliza para sustentar sua afirmação?
d) “E quando não há mais futuro, a gente se agarra a um presente desprovido de sentido ou ao passado — nação e religião.” Você concorda com essa frase? Produza um texto explicando o que ela significa e qual a sua opinião sobre esse assunto.
Respostas
respondido por:
31
a) Morin vê a revolta juvenil e estudantil, especialmente a partir de maio de 1968, como uma onda que atingiu países de naturezas sociais e estruturas tão diferentes como o Egito, os EUA, a Polônia etc.
Considera, ainda, que há um denominador comum entre os jovens do mundo que se revoltaram, qual seja uma revolta contra a autoridade do Estado e da família.
b) Mesmo parecendo que as coisas voltariam ao estado em que se encontravam antes das manifestações de 1968, as lutas das minorias étnicas, dos homossexuais e de militantes do feminismo desenvolveram-se.
Passou-se a encarar a felicidade como um mito ocidental inalcançável, que nem o progresso, nem os avanços científicos poderiam trazer.
c) Há um sentimento de precariedade, agravado pela incerteza de que os mais jovens conseguirão empregos, não há esperança na esfera de atuação dos políticos e há um mal-estar profundo, mesmo dentre os das classes com acesso ao consumo.
d) Esse "agarrar-se a um presente sem sentido" ou a um passado focado em nacionalismo e religiosidade discriminatórios são exatamente o que se tem hoje, no início deste século XXI: muitas lutas por direitos sociais sendo perdidas nos tribunais conservadores, muita desilusão com os patamares de remuneração do trabalho, o ressurgimento do extremismo e do fundamentalismo que assolaram o final do século XX, seja nas religiões, nas relações políticas internacionais, seja no abandono do sentido de "coletivo" dentre as pessoas e muitos outros acontecimentos na direção de uma sociedade irresponsável e de valores superficiais.
Considera, ainda, que há um denominador comum entre os jovens do mundo que se revoltaram, qual seja uma revolta contra a autoridade do Estado e da família.
b) Mesmo parecendo que as coisas voltariam ao estado em que se encontravam antes das manifestações de 1968, as lutas das minorias étnicas, dos homossexuais e de militantes do feminismo desenvolveram-se.
Passou-se a encarar a felicidade como um mito ocidental inalcançável, que nem o progresso, nem os avanços científicos poderiam trazer.
c) Há um sentimento de precariedade, agravado pela incerteza de que os mais jovens conseguirão empregos, não há esperança na esfera de atuação dos políticos e há um mal-estar profundo, mesmo dentre os das classes com acesso ao consumo.
d) Esse "agarrar-se a um presente sem sentido" ou a um passado focado em nacionalismo e religiosidade discriminatórios são exatamente o que se tem hoje, no início deste século XXI: muitas lutas por direitos sociais sendo perdidas nos tribunais conservadores, muita desilusão com os patamares de remuneração do trabalho, o ressurgimento do extremismo e do fundamentalismo que assolaram o final do século XX, seja nas religiões, nas relações políticas internacionais, seja no abandono do sentido de "coletivo" dentre as pessoas e muitos outros acontecimentos na direção de uma sociedade irresponsável e de valores superficiais.
Perguntas similares
6 anos atrás
6 anos atrás
6 anos atrás
8 anos atrás
8 anos atrás
8 anos atrás
9 anos atrás