A voz em Congonhas anunciou: "Clientes com necessidades especiais, crianças de colo, melhor idade, gestantes e portadores do cartão tal terão preferência etc.”. Num rápido exercício intelectual, concluí que, não tendo necessidades especiais, nem sendo criança de colo, gestante ou portador do dito cartão, só me restava a “melhor idade”, algo entre os 60 anos e a morte.
Para os que ainda não chegaram a ela, a “melhor idade” é quando você pensa duas vezes antes de se abaixar para pegar o lápis que deixou cair e, se ninguém estiver olhando, chuta-o para debaixo da mesa. Ou, tendo atravessado a rua fora da faixa, arrepende-se no meio do caminho, porque o sinal abriu e, agora, terá de correr para salvar a vida. Ou, quando o singelo ato de dar o laço no pé esquerdo do sapato equivale, segundo o João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade olímpica.
Privilégios da “melhor idade” são o ressecamento da pele, a osteoporose, as placas de gordura no coração, a pressão [...]. Ou seja, nós, da “melhor idade”, estamos com tudo, e os demais podem ir lamber sabão.
Outra característica da “melhor idade” é a disponibilidade de seus membros para tomar as montanhas de Rivotril, Lexotan e Frontal que seus médicos lhes receitam e depois não conseguem retirar.
Outro dia, bem cedo, um jovem casal cruzou comigo no Leblon. Talvez vendo em mim um pterodáctilo da clássica boemia carioca, o rapaz perguntou: “Voltando da farra, Ruy?”. Respondi, eufórico: “Que nada! Estou voltando da farmácia”. E esta, de fato, é uma grande vantagem da “melhor idade”: você extrai prazer de qualquer lugar a que ainda consiga ir.
Sobre os texto os Prazeres da “melhor idade” de ruy castro;
Qual dos três modos verbais prevalece no texto?
- Qual é o efeito de sentido produzido, pelo autor, por meio desse modo verbal?
- Como percebemos esse sentido por meio de trechos do texto?
- Por que, nesse caso, o autor optou por tal modo verbal?
Respostas
No texto prevalece o modo verbal indicativo, principalmente no tempo presente ("é", "pensa", "chuta", "arrepende-se", "equivale", "são", "estamos", "podem", "receitam", "conseguem", "extrai").
Ao usar esse modo, que expressa certeza das ações, o autor demonstra convicção nos fatos descritos, ou seja, não são situações hipotéticas, mas a realidade.
Os trechos "é quando você pensa duas vezes antes de se abaixar para pegar o lápis que deixou cair..." e "quando o singelo ato de dar o laço no pé esquerdo do sapato equivale, segundo o João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade olímpica" são iniciadas com a palavra "quando", o que evidenciaria o modo subjuntivo (incerteza), mas o autor usa o indicativo para reafirmar o presente.
O autor optou por esse modo por que ele vive tais ações no seu dia a dia, ele está falando de coisas que acontecem sempre com ele.