Respostas
Frente ao outro, os povos Tupi tiveram duas posturas: a de admiração e endeusamento para com o diferente distante (que poderia ser aliado); e de discriminação e preconceito para com o diferente próximo (que poderia ser inimigo). O diferente distante foi acolhido como deus nos primeiros anos da conquista. Os portugueses receberam o nome de karaíba, que significava 'coisa santa', gente com grandes poderes (cf. Anchieta, [1584], Cartas, escritos... 1933:332); e os franceses foram chamados de maíra ou maïr, um dos maiores demiurgos da mitologia tupi (id. ib.).Ao passo que o diferente próximo era inimigo e devia ser combatido. Daí os nomes de Tobajara (inimigo) ou Tapuia (atrasado).
Uma historiografia brasileira eurocêntrica
Quando o Brasil começou o processo de emancipação cultural, durante o império, seus grandes historiadores, como Varnhagen, tinham uma formação européia, com uma visão muito preconceituosa contra os povos indígenas. Não sem razão escreveu: 'Para fazermos melhor idéia da mudança ocasionada pelo influxo do cristianismo e da civilização, procuramos dar uma notícia mais especificada da situação em que foram encontradas as gentes que habitavam o Brasil: isto é, uma idéia de seu estado, não podemos dizer de civilização, mas de barbárie e de atraso.
De tais povos na infância não há história: há etnografia' (Hist. Geral Brasil, S. Paulo, [1854]1956, 1:30. Grifo nosso). Isto marcou toda a historiografia brasileira, que até há pouco afirmava que os povos indígenas não eram o objeto da História e sim da Etnografia. Como conseqüência, nossa história começava na Europa, especificamente em Portugal, e não no Brasil. Os povos indígenas surgiam de relance no século XVI, desaparecendo em seguida.
As novas gerações brasileiras, marcadas por regimes autoritários, como o de Vargas, e mais recentemente o dos militares, passaram a cultuar anti-heróis, como os bandeirantes paulistas, o Duque de Caxias e tantos outros.
O nativismo romântico
No campo da literatura, se o nativismo do século XIX veio reafirmar nossas raízes nativas, tentando quebrar as amarras culturais com a metrópole, trouxe consigo muitas ambigüidades que reforçavam ainda os padrões europeus.
Surge o índio genérico, como o fizeram o poeta Gonçalves Dias, o romancista José de Alencar ou o músico Carlos Gomes. Seus personagens, embora vestidos de pena, tinham a cabeça do conquistador, sendo os grandes aliados dos portugueses. O bom índio era o 'indígena colaborador', aquele que participou da conquista do Brasil e o que mais se aproximava dos padrões ditos 'civilizados'.
Assim o Brasil-colônia viveu cerca de 400 anos voltado para a Europa e de costas para suas origens. As revoltas nativistas e a grande presença indígena em várias regiões fizeram com que aos poucos os brasileiros começassem a sentir que algo se passava. Sem resolver muitos problemas de identidade, por muito tempo vivemos uma espécie de esquizofrenia cultural, sentindo que éramos mestiços, mas mantendo um discurso e uma referência estrangeira. Somente agora, no final do século, por conta do movimento negro e indígena, o povo brasileiro está conseguindo quebrar os laços ideológicos que por tanto tempo nos impuseram essa visão do império português.
Créditos:
CIMI - Conselho indigenista Missionário
Por: Benedito Prezia