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A participação espanhola e a portuguesa até certo ponto se confunde na semelhança cozinheira. Ambos tiveram o árabe e com ele a devoção do azeite de oliveira, cebola, alho, as frutas cítricas, o arroz, as papas de cereais. O porco era, para os habitantes da península, um sabor anterior ao domínio mouro que o detestava. Fora peça de caça montesa e depois de criação desvelada.
No Brasil, os alemães foram os primeiros a vir em quantidades apreciáveis, fundando colônias, enfrentado a terra; com os problemas da adaptação psicológica que Emílio Willems (514) estudou e Graça Aranha transfigurou liricamente no Chanaan (1902).
Começaram chegando para S. Leopoldo (RS) em 1824 e até a primeira década do século XX talvez atingissem os 100 mil. As cifras totais são controvertidas. Ficaram pelo sul do país, no incontido processo adensador das colmeias. O Norte e Nordeste não lhes pareceu zona de conforto e vieram derramando ocupação sensível até o Espírito Santo, posterior ao fracasso de Mucuri, verberado por Avé-Lallemant. Para o resto do Brasil, os alemães fizeram ato de notificação e não de permanência. Nunca se puderam medir, nesse particular, com os italianos e espanhóis no império, ou com os sírios e os libaneses na República. O coeficiente de atração brasileiro foi alucinadamente inferior ao norte-americano. Emílio Willems indica que os possíveis 280 mil indivíduos chegados ao Brasil entre 1886-1936 não se compararão aos 250.630 entrados nos EUA apenas em 1882.
Não podia verificar-se vantagem no nucleamento teutônico, equivalendo ou superando o prestígio influencial da dispersão italiana. Poderia guardar mais nitidamente a fisionomia nativa, usos e costumes, mesmo com as concessões indispensáveis à pressão maior que a coesão ecológica. Mas a força da penetração ambiental foi bem maior que a coesão psicológica alemã. Ficaram, percentagem notável, mais depressa brasileiros na alimentação que os italianos ou os sírios e libaneses.
As várias cozinhas existentes na Alemanha, da Renânia à Prússia Oriental, da Baviera às terras bálticas, não oferecem uma frente única defensiva ao amavio aculturativo, poderoso no fator da necessidade. A cozinha portuguesa, em sua simplicidade unitária e secular, é menos penetrável e mais irradiante.
Escreve o prof. Emílio Willems (514): — "Como no campo também nos centros urbanos, a cozinha integrou traços germânicos e brasileiros contando com uma fartura e variedade de pratos que superam, de muito, os diversos tipos de cozinha da Alemanha rural". E ainda: - "A importação de certos produtos parece haver substituído, em alguns casos pelo menos, os artigos que a agricultura local não podia fornecer. Gernhard observou, pela volta do século, que em Joinville se comia como na Alemanha para logo acrescentar que também 'pratos nacionais brasileiros' haviam sido aceitos. A batatinha estava sendo importada. Quanto às bebidas, a cachaça acrescentou-se, por toda a parte, à cerveja que cada região produz".
Desde que a cachaça podia satisfazer ao inevitável Morgenschnaps, o gole matinal, num núcleo fechado e denso como o alemão, abria-se larga frincha na porta d'água. Para mim o mais surpreendente foi uma bebida estranha, em sabor e forma de consumo, como o mate-chimarrão, o mate amargo, não somente conquistar os alemães do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, como tornar-se apreciada em sua maneira de servir-se, chimarrão na cuia, chupando através da bombilha comum, com não se pratica em nenhuma paragem da Europa. Essa bombilha seria o possível elemento negativo para sua integração no círculo familiar germânico. Contra toda a lógica, o mate, o chimarrão, mereceu um hino de simpatia calorosa de Avé-Lallemant (517): - "Tudo o que em nossa civilização se compreende como amor, estima e sacrifício; tudo o que é elevado e profundo e com impulso da alma humana, do coração, tudo está entretecido e entrelaçado com o ato de preparar o mate, servi-lo e tomá-lo em comum... É o mate a saudação da chegada, o símbolo da hospitalidade, o sinal reconciliação".
Lembro ainda o prestígio aliciante e aculturador da indumentária gaúcha, envergada pelo alemão e seus descendentes, com orgulho e garbo. Será, penso, aceitação pela convergência, semelhança com certos trajes alemães da Pomerânia, o Palatinado, no leste e região do Báltico, calções largos, botas curtas, de couro, chapelão. Seria mais difícil o contágio em povo ignorado essas vestimentas, franceses do Sul, italianos do norte, por exemplo. A cachaça foi o gabado Ersatz da forte aguardente que se bebe por toda a Alemanha, pela manhã, antes do trabalho, como fazem normandos e bretões na França, que, coincidentemente, também usam botas e chapéu amplo.
No Brasil, os alemães foram os primeiros a vir em quantidades apreciáveis, fundando colônias, enfrentado a terra; com os problemas da adaptação psicológica que Emílio Willems (514) estudou e Graça Aranha transfigurou liricamente no Chanaan (1902).
Começaram chegando para S. Leopoldo (RS) em 1824 e até a primeira década do século XX talvez atingissem os 100 mil. As cifras totais são controvertidas. Ficaram pelo sul do país, no incontido processo adensador das colmeias. O Norte e Nordeste não lhes pareceu zona de conforto e vieram derramando ocupação sensível até o Espírito Santo, posterior ao fracasso de Mucuri, verberado por Avé-Lallemant. Para o resto do Brasil, os alemães fizeram ato de notificação e não de permanência. Nunca se puderam medir, nesse particular, com os italianos e espanhóis no império, ou com os sírios e os libaneses na República. O coeficiente de atração brasileiro foi alucinadamente inferior ao norte-americano. Emílio Willems indica que os possíveis 280 mil indivíduos chegados ao Brasil entre 1886-1936 não se compararão aos 250.630 entrados nos EUA apenas em 1882.
Não podia verificar-se vantagem no nucleamento teutônico, equivalendo ou superando o prestígio influencial da dispersão italiana. Poderia guardar mais nitidamente a fisionomia nativa, usos e costumes, mesmo com as concessões indispensáveis à pressão maior que a coesão ecológica. Mas a força da penetração ambiental foi bem maior que a coesão psicológica alemã. Ficaram, percentagem notável, mais depressa brasileiros na alimentação que os italianos ou os sírios e libaneses.
As várias cozinhas existentes na Alemanha, da Renânia à Prússia Oriental, da Baviera às terras bálticas, não oferecem uma frente única defensiva ao amavio aculturativo, poderoso no fator da necessidade. A cozinha portuguesa, em sua simplicidade unitária e secular, é menos penetrável e mais irradiante.
Escreve o prof. Emílio Willems (514): — "Como no campo também nos centros urbanos, a cozinha integrou traços germânicos e brasileiros contando com uma fartura e variedade de pratos que superam, de muito, os diversos tipos de cozinha da Alemanha rural". E ainda: - "A importação de certos produtos parece haver substituído, em alguns casos pelo menos, os artigos que a agricultura local não podia fornecer. Gernhard observou, pela volta do século, que em Joinville se comia como na Alemanha para logo acrescentar que também 'pratos nacionais brasileiros' haviam sido aceitos. A batatinha estava sendo importada. Quanto às bebidas, a cachaça acrescentou-se, por toda a parte, à cerveja que cada região produz".
Desde que a cachaça podia satisfazer ao inevitável Morgenschnaps, o gole matinal, num núcleo fechado e denso como o alemão, abria-se larga frincha na porta d'água. Para mim o mais surpreendente foi uma bebida estranha, em sabor e forma de consumo, como o mate-chimarrão, o mate amargo, não somente conquistar os alemães do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, como tornar-se apreciada em sua maneira de servir-se, chimarrão na cuia, chupando através da bombilha comum, com não se pratica em nenhuma paragem da Europa. Essa bombilha seria o possível elemento negativo para sua integração no círculo familiar germânico. Contra toda a lógica, o mate, o chimarrão, mereceu um hino de simpatia calorosa de Avé-Lallemant (517): - "Tudo o que em nossa civilização se compreende como amor, estima e sacrifício; tudo o que é elevado e profundo e com impulso da alma humana, do coração, tudo está entretecido e entrelaçado com o ato de preparar o mate, servi-lo e tomá-lo em comum... É o mate a saudação da chegada, o símbolo da hospitalidade, o sinal reconciliação".
Lembro ainda o prestígio aliciante e aculturador da indumentária gaúcha, envergada pelo alemão e seus descendentes, com orgulho e garbo. Será, penso, aceitação pela convergência, semelhança com certos trajes alemães da Pomerânia, o Palatinado, no leste e região do Báltico, calções largos, botas curtas, de couro, chapelão. Seria mais difícil o contágio em povo ignorado essas vestimentas, franceses do Sul, italianos do norte, por exemplo. A cachaça foi o gabado Ersatz da forte aguardente que se bebe por toda a Alemanha, pela manhã, antes do trabalho, como fazem normandos e bretões na França, que, coincidentemente, também usam botas e chapéu amplo.
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