Leia, atentamente, o texto de Lourenço Diaféria, extraído do livro O Empinador de estrelas (1980).
─ A partir de hoje, em todas as aulas, vocês me tragam um pequeno texto livre. Uma história qualquer que tenha acontecido no dia a dia. Dez linhas. Não é necessário mais que dez linhas. Entenderam?
A classe inteira ficou encarando dona Furquim como se ela fosse a mulher-maravilha. Será que dona Furquim estava caçoando da gente?
─ Dez linhas do quê, professora?
Dona Furquim estava acabando de apanhar os livros de cima da mesa. Virou-se e repetiu, como se estivesse dizendo algo que nós devíamos saber de cor.
─ Vamos contar por escrito as coisas que acontecem todos os dias. O cotidiano de cada um. Mesmo que pareça um fato sem importância. Façam de conta que é uma brincadeira. Em casa, vocês arranjam um tempinho, passam para o papel um pouco de vida. Tanta coisa, não é mesmo? Sempre acontece tanta coisa na vida da gente!
Depois da aula geralmente a turma gostava de atirar bolotas de papel uns nos outros. Nesse dia ninguém atirou bolota em ninguém. Maria Clara de Ovo continuava coçando o dedo. O Nero cismou de perguntar se era para fazer a redação a tinta ou a lápis.
Soara o sinal. Dona Furquim ia saindo:
─ À vontade. Tanto faz a tinta ou a lápis.
Assim foi o primeiro dia de aula de dona Furquim. Ela nunca fez questão das coisas muito na ponta da língua. Gostava de dizer que é bom aprender para a vida. Como se aprende a andar. Foi por causa de dona Furquim que desse dia em diante passei a rabiscar coisas que aconteciam em minha vida. Enchi um caderno de redação e depois outro caderno de redação. Isto que estou contando aqui não passa de folhas soltas desses cadernos. No passar a limpo, procurei emendar os erros que dona Furquim havia corrigido. Emendei os erros, mas não modifiquei os fatos.
Considerando o texto lido e o estudo sobre as concepções de linguagem, pode-se inferir que na prática pedagógica de Dona Furquim subjaz uma concepção de linguagem.
a) Que concepção é essa?
b) Justifique sua resposta, argumentando o seu ponto de vista.
Respostas
a) Na prática pedagógica de Dona Furquim está uma concepção de linguagem como instrumento de comunicação, ou seja, a língua é um código que transmite mensagem e toma forma fora do pensamento. Nessa concepção de linguagem o que importa é a comunicação, a facilitação da mensagem entre emissor e receptor. Não há preocupação em impor regras gramaticais e há busca de novas formas de acesso ao conhecimento.
b) O trecho do texto que comprova essa concepção da linguagem é "Ela nunca fez questão das coisas muito na ponta da língua. Gostava de dizer que é bom aprender para a vida. Como se aprende a andar". A professora não fazia questão que o texto estivesse em total acordo com as normas da língua padrão e que os alunos soubessem de tudo, mas que escrevessem o que pensavam e sentiam. E assim eles iam aprendendo aos poucos, com a experiência.