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Mulheres e Representações da Mulher na Revolução
Americana.
Algumas Notas Breves
Por Viriato Soromenho-Marques
Fiel à sua tradição de iconografia heróica a história dos EUA
regista uma vasta galeria de mulheres que desde o período colonial
se destacaram pelo seu valor e capacidade de afirmação.
As duras condições de vida do período colonial criaram o
cenário propício a um desempenho social particularmente activo por
parte das mulheres. Os perigos da "fronteira" abundavam
praticamente por todo o território, na sua letal combinação de
doenças, falta de cuidados médicos adequados e instabilidade nas
relações com as tribos de indígenas, ou native Americans, como
agora se convencionou designar. Essa situação provocava taxas
elevadíssimas de mortalidade, com os inevitáveis problemas
jurídicos de frequente e prematura transferência de propriedade.
Esse facto contribuiu para que em muitas colónias as
mulheres exercessem amplos direitos no domínio do acesso e
gestão directa da propriedade, assim como na participação na vida
da comunidade, que seriam impensáveis nas sociedades europeias
coevas.
Outra razão para explicar o papel relevante ocupado pelas
mulheres, ainda no período colonial, prende-se com motivos
religiosos e educativos. Com efeito, a advertência que em 1775
Edmund Burke efectuou aos seus colegas dos Comuns britânicos,
alertando-os para os riscos de entrarem em guerra aberta contra
um povo que tinha um elevado grau de instrução escolar, aliado a
uma capacidade crítica de auto-afirmação, que os tinha levado a
correr os riscos mortais de uma viagem para o Novo Mundo em
nome do direito a viverem de acordo com os ditames da sua Viriato Soromenho-Marques, "Mulheres e representações da mulher na
Revolução Americana", Pensar no Feminino, Maria Luísa Ribeiro Ferreira (ed.),
Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp.135-141.
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consciência, essa advertência era também válida no que às
mulheres diz respeito (Burke, [1775]: 123 ss.).
Algumas das primeiras heroínas dos direitos da mulher
denotam essa dupla característica de uma elevada literacia aliada a
uma intransigente obediência aos ditames da própria consciência,
em clara consonância com os ensinamentos da teologia protestante
da immediate revelation. Tais são os casos, em pleno século XVII,
de Anne Hutchinson e Anne Bradstreet.
Foi, contudo, o período da Revolução Americana que mais
férteis testemunhos nos deu de uma afirmação ousada e
interveniente das mulheres em luta pelos seus direitos
fundamentais. O que aqui designamos como Revolução Americana
deve ser entendido como um período que poderemos situar entre o
início da década de 1770 e os fins da década de 1790. Nestas
quase três décadas abrangemos desde os primeiros sinais da
contestação armada contra a autoridade britânica até ao processo
de elaboração, discussão e ratificação da Constituição federal de
1787, bem como dos seus primeiros dez Aditamentos que se
designaram como Bill of Rights, e cuja aprovação pelo Congresso
teve lugar em Dezembro de 1791.
Com a Independência um clamor de liberdade disseminou-se
pelo novo país, afectando também os direitos das mulheres.
Algumas singularidades políticas tiveram lugar nessa altura. Dois
dias antes da Declaração de Independência ter sido adoptada pelo
Congresso Continental, New Jersey adoptou uma nova Constituição
que permitia o voto das mulheres. Essa prática foi mantida durante
quase duas décadas, mas não deixou de ser uma excepção não só
no quadro norte-americano, como a nível mundial (De Pauw, 1976:
199 ss.).
Nos anos marcados pela revolução e pelo debate
constitucional, multiplicaram-se as publicações, em ensaios ou na
imprensa, onde os problemas da condição da mulher, na sua
relação com o homem, no matrimónio, na educação, e na
sociedade em geral, são analisados de modo muito livre e crítico.
Num texto de Hannah Adams, publicado precisamente no ano da
Convenção de Filadélfia é questionada a alegada inferioridade da
mulher, propondo-se em alternativa uma relação de igualdade.
Também a suposta superioridade intelectual masculina é visada Viriato Soromenho-Marques, "Mulheres e representações da mulher na
Revolução Americana", Pensar no Feminino, Maria Luísa Ribeiro Ferreira (ed.),
Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp.135-141.
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numa revista datada de Julho de 1791, onde as qualidades morais
da mulher contrastam com a mediocridade da manifesta
conspiração que ao longo da história os homens teriam efectuado
para manter a mulher num estatuto de menoridade, sobretudo
através da negligência da educação feminina. No mesmo sentido se
pronunciará, a partir da Grã-Bretanha, Mary Wollstonecraft, talvez a
voz mais influente no proto-feminismo do hemisfério Norte, que
veria a sua principal obra, de 1792, receber um bom acolhimento
nos EUA. Se as mulheres tendem, na sua maioria, a não possuir
uma visão de conjunto da vida pública isso deve-se ao facto de
serem compelidas a habitarem no microcosmo do espaço
doméstico.
Americana.
Algumas Notas Breves
Por Viriato Soromenho-Marques
Fiel à sua tradição de iconografia heróica a história dos EUA
regista uma vasta galeria de mulheres que desde o período colonial
se destacaram pelo seu valor e capacidade de afirmação.
As duras condições de vida do período colonial criaram o
cenário propício a um desempenho social particularmente activo por
parte das mulheres. Os perigos da "fronteira" abundavam
praticamente por todo o território, na sua letal combinação de
doenças, falta de cuidados médicos adequados e instabilidade nas
relações com as tribos de indígenas, ou native Americans, como
agora se convencionou designar. Essa situação provocava taxas
elevadíssimas de mortalidade, com os inevitáveis problemas
jurídicos de frequente e prematura transferência de propriedade.
Esse facto contribuiu para que em muitas colónias as
mulheres exercessem amplos direitos no domínio do acesso e
gestão directa da propriedade, assim como na participação na vida
da comunidade, que seriam impensáveis nas sociedades europeias
coevas.
Outra razão para explicar o papel relevante ocupado pelas
mulheres, ainda no período colonial, prende-se com motivos
religiosos e educativos. Com efeito, a advertência que em 1775
Edmund Burke efectuou aos seus colegas dos Comuns britânicos,
alertando-os para os riscos de entrarem em guerra aberta contra
um povo que tinha um elevado grau de instrução escolar, aliado a
uma capacidade crítica de auto-afirmação, que os tinha levado a
correr os riscos mortais de uma viagem para o Novo Mundo em
nome do direito a viverem de acordo com os ditames da sua Viriato Soromenho-Marques, "Mulheres e representações da mulher na
Revolução Americana", Pensar no Feminino, Maria Luísa Ribeiro Ferreira (ed.),
Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp.135-141.
2
consciência, essa advertência era também válida no que às
mulheres diz respeito (Burke, [1775]: 123 ss.).
Algumas das primeiras heroínas dos direitos da mulher
denotam essa dupla característica de uma elevada literacia aliada a
uma intransigente obediência aos ditames da própria consciência,
em clara consonância com os ensinamentos da teologia protestante
da immediate revelation. Tais são os casos, em pleno século XVII,
de Anne Hutchinson e Anne Bradstreet.
Foi, contudo, o período da Revolução Americana que mais
férteis testemunhos nos deu de uma afirmação ousada e
interveniente das mulheres em luta pelos seus direitos
fundamentais. O que aqui designamos como Revolução Americana
deve ser entendido como um período que poderemos situar entre o
início da década de 1770 e os fins da década de 1790. Nestas
quase três décadas abrangemos desde os primeiros sinais da
contestação armada contra a autoridade britânica até ao processo
de elaboração, discussão e ratificação da Constituição federal de
1787, bem como dos seus primeiros dez Aditamentos que se
designaram como Bill of Rights, e cuja aprovação pelo Congresso
teve lugar em Dezembro de 1791.
Com a Independência um clamor de liberdade disseminou-se
pelo novo país, afectando também os direitos das mulheres.
Algumas singularidades políticas tiveram lugar nessa altura. Dois
dias antes da Declaração de Independência ter sido adoptada pelo
Congresso Continental, New Jersey adoptou uma nova Constituição
que permitia o voto das mulheres. Essa prática foi mantida durante
quase duas décadas, mas não deixou de ser uma excepção não só
no quadro norte-americano, como a nível mundial (De Pauw, 1976:
199 ss.).
Nos anos marcados pela revolução e pelo debate
constitucional, multiplicaram-se as publicações, em ensaios ou na
imprensa, onde os problemas da condição da mulher, na sua
relação com o homem, no matrimónio, na educação, e na
sociedade em geral, são analisados de modo muito livre e crítico.
Num texto de Hannah Adams, publicado precisamente no ano da
Convenção de Filadélfia é questionada a alegada inferioridade da
mulher, propondo-se em alternativa uma relação de igualdade.
Também a suposta superioridade intelectual masculina é visada Viriato Soromenho-Marques, "Mulheres e representações da mulher na
Revolução Americana", Pensar no Feminino, Maria Luísa Ribeiro Ferreira (ed.),
Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp.135-141.
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numa revista datada de Julho de 1791, onde as qualidades morais
da mulher contrastam com a mediocridade da manifesta
conspiração que ao longo da história os homens teriam efectuado
para manter a mulher num estatuto de menoridade, sobretudo
através da negligência da educação feminina. No mesmo sentido se
pronunciará, a partir da Grã-Bretanha, Mary Wollstonecraft, talvez a
voz mais influente no proto-feminismo do hemisfério Norte, que
veria a sua principal obra, de 1792, receber um bom acolhimento
nos EUA. Se as mulheres tendem, na sua maioria, a não possuir
uma visão de conjunto da vida pública isso deve-se ao facto de
serem compelidas a habitarem no microcosmo do espaço
doméstico.
eduardocosta21:
obrigado de coração❤❤
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