Respostas
Por que o Sabiá-laranjeira resolveu cantar de madrugada?
Segundo Albert Einstein, “a coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. Essa é a fonte de toda a arte e ciência”. Desde o início de minha carreira como pesquisador responsável por obras como o livro Ornitologia e Conservação, ou mesmo durante a minha infância quando explorava as matas do rio Paranapanema, fui profundamente impulsionado pela mesma paixão por desvendar mistérios que move a vida de tanto cientistas.
Acompanhei de perto toda a repercussão em torno da insônia dos Sabiás e, uma pergunta não saia da minha mente: “Qual seria o mistério por trás do estranho comportamento destas aves?”. Para investigar o estranho fenômeno, que aconteceu na cidade de São Paulo, criei o projeto a Hora do Sabiá. Como o próprio nome sugere, seu objetivo é identificar os horários em que os Sabiás cantam por todo o país. Mas, diferente de outros estudos científicos, este foi idealizado como um projeto colaborativo, ou seja, embora eu seja o coordenador científico os dados são registrados por voluntários, pessoas de todas as idades que participam livremente e e enviam suas observações através de um formulário, disponível em www.horadosabia.com.
Lançado em 2013, o projeto já conta com a participação de milhares de pessoas em todo país e, se tornou nada menos que o maior projeto de monitoramento colaborativo da América do Sul e, o primeiro projeto de Ciência Cidadã genuinamente brasileiro.
O termo ciência cidadã é o nome dado a projetos científicos onde cientistas ou instituições contam com a colaboração do grande público para registrar e coletar dados na natureza. Já as pessoas que participam de projetos do tipo são chamadas de cidadãos cientistas, pessoas comuns engajadas em pesquisas cientificas sob a supervisão de pesquisadores de uma determinada área.
Foi apenas graças ao apoio de cidadãos cientistas voluntários de diversas cidades do estado de São Paulo, que responderam através da internet a duas perguntas simples – a que horas os Sabiás começam a cantar? E quando param? -, que foi possível desvendar o mistério por trás da mudança drástica de comportamento das aves da capital paulistana.
Surpreendentemente, as respostas de mais de 1900 voluntários de São Paulo, demonstraram que as aves da capital começam a cantar em média 5 horas antes que seus parentes do interior. Além disso, os Sabiás do interior cantam – pela última vez no dia -, em média, 4 horas antes dos da capital.
Finalmente, parte do mistério havia sido resolvido, a resposta era clara, se a grande maioria das aves que habita cidades pequenas não canta de madrugada, fica evidente que esta não é uma característica comum da espécie, mas, sim, um comportamento exclusivo de aves que habitam grandes cidades, como São Paulo.
Mas uma pergunta fundamental para entender o fenômeno, permanecia sem resposta: o que é que São Paulo, a grande metrópole da América Latina, tem que, cidades do interior do estado não têm? O que poderia estar afetando a biologia e o comportamento das populações de Sabiás-laranjeira de São Paulo para que estas aves iniciem e, aumentem o volume e a frequência de seus cantos às 3 horas da madrugada?
A resposta é simples: o trânsito ou, melhor dizendo, o barulho provocado pelos carros.
Com base nos dados da CET – Companhia de Engenharia Tráfego e, de dados coletados em estações experimentais para registro de ruídos pela cidade, foi possível comparar regiões e até ruas da cidade com alto índice de fluxo de veículos e, consequente, maior poluição sonora, a regiões com baixo índice e, correlacionar estes dados com a alteração do horário de canto das aves.
Os resultados foram conclusivos e demonstraram que os Sabiás que habitam regiões da cidade altamente impactadas pela poluição sonora , se adaptaram ao barulho excessivo, deslocando seus horários de canto para o meio da madrugada. Isto porque é somente no silêncio da madrugada de São Paulo que os Sabiás encontram as condições ideais para se comunicar, ouvir e ser ouvido por outros Sabiás.
Agora você já sabe: se o canto dos seus vizinhos emplumados está lhe tirando o sono, o maior culpado está logo ali estacionado na sua garagem ou na frente da sua casa.
Então, que tal deixar o carro ou a moto em casa ao menos uma vez por semana e optar por um modo de transporte alternativo? Os Sabiás de São Paulo agradecem.
Mas atenção, para agir em prol da conservação desta espécie é imprescindível acompanhar de perto possíveis mudanças nos hábitos destas aves que, são o símbolo de nosso país. Por este motivo o projeto a Hora do Sabiá, é um projeto de monitoramento de longo prazo, o que significa que ele acontece todos os anos e, é contínuo.