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Se um dia o cidadão João Luiz Garcia de Souza perder seu iPhone, quem encontrar o aparelho e tentar descobrir alguma coisa a respeito do proprietário através das fotos vai levar um susto: o homem só pensa naquilo! Família, vistas bonitas, animais de estimação? Que nada: são centenas de fotos de... comida. Há produtos em estado bruto, pratos prontos em restaurantes, detalhes dos ditos restaurantes, garrafas, copos, listas de preços em botequins. As fotos mais recentes, e mais tristes, mostram duas caixas detonadas pelos "carinhos" da Azul, que as transportava de Minas para o Rio. Dentro, montes de queijos estragados.
— Está vendo só? — diz Janjão, desconsolado. — Chama-se a isso "custo Brasil". Eu tenho clientes e produtos, mas fazer os produtos chegarem às mãos dos clientes é que são elas. A logística é um pesadelo.
Bistrô e deli com a marca do Rio
Mais tarde, na Casa Carandaí, delicatessen que acaba de montar na Rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico, para promover o sonhado encontro entre clientes e produtos, ele me mostra uma geladeira meio vazia: era para lá que se destinava a preciosa carga de queijos da Serra da Canastra. O resto da casa, porém, está bem estocado, e com muita coisa feita lá mesmo, de doces pecaminosos a terrines de dar água na boca, passando por pães e baguetes que só faltam falar francês.
Apesar do sotaque, a ideia da Casa Carandaí é servir de vitrine para a excelência dos produtos brasileiros. Para fazer a seleção que compõe o elenco do empório, Janjão viajou pelo país inteiro, selecionando com grande rigor a produção local. Para que ninguém caia no grave erro de achar, por exemplo, que todas as goiabadas são iguais, lá está a prova de que a do Rio Grande do Sul é bem diferente da carioca ou da mineira. Dentro em breve, assim que o pátio da casa for convertido em café, a prova poderá ser feita in loco — e aí ninguém precisará mais ter saudades do Garcia & Rodrigues, que Janjão idealizou em 1996, abriu com alguns sócios em 1997 e largou em 2000, "saído" depois de desentendimentos. A próxima etapa gastronômica da sua vida, a rede Fiametta, também terminou em brigas e recriminações, mas hoje ele confessa que a casa foi criada para dar dinheiro, e não prazer. Janjão gosta demais de comida para se contentar com uma pizzaria. Agora, leva a vida que pediu a Deus: tem apenas um restaurante, o Lorenzo Bistrô, também na Lopes Quintas, a dois passos da Carandaí, e sua única sócia é a mulher, Nick. Essa, aliás, é uma outra história — uma história de amor, que a gente conta mais adiante.
Tanto a Carandaí quanto o Lorenzo trazem, nos letreiros, uma marquinha novidadeira: um RJ cercado por um círculo, que significa que são casas cariocas, orgulhosas da sua cidade. De onde veio isso? De uma campanha que o governo do estado iniciou mas, para variar, não levou em frente. A ideia era lançar um selo, como os que existem em tantos países e cidades europeus, que os cidadãos colam nos carros, nas bicicletas e nas vitrines, demonstrando a sua, digamos, autoestima geográfica. Janjão gostou tanto que adotou a prática imediatamente; mas, por enquanto, é uma marquinha solitária no mundo:
— Ninguém mais adotou o selo, não é uma pena? A gente precisava transformar isso numa espécie de "By Appointment" carioca.
Um advogado bom em números
Miguel Paiva, que desenhou as logomarcas, não ficou muito feliz em acrescentar o selinho ao seu trabalho; mas o RJ não atrapalhou em nada, ficou bonitinho e, por enquanto, misterioso.
Típico carioca da Zona Sul, Janjão, hoje com 58 anos, sempre aproveitou o que a cidade tem de melhor, e ama o Rio fervorosamente. Aluno do Santo Inácio, praieiro e esportista convicto, cresceu entre os políticos e intelectuais que frequentavam a casa de seus pais, o advogado Pedro Garcia de Souza e Ana Maria Machado Bittencourt, uma dona de casa sempre às voltas com galerias e artes plásticas; o Clube da Lanterna, que mais tarde daria origem à UDN, nasceu na sala da sua avó. Lacerdistas e juscelinistas, que se enfrentavam nas tribunas e nos jornais, se encontravam pelas esquinas da cultura e, eventualmente, seus filhos até acabavam se casando. Tendo acompanhado esse movimento de perto, Janjão conhece, como poucos, a árvore genealógica do Rio. Por insistência dos pais, cursou Direito. Economia, que era o queria, era considerada "exatas" demais naquele lar de "humanas".