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É comum associarmos as origens do pensamento teórico arquitetônico ocidental às culturas grega e romana, embora hoje seja evidente que estas encontraram seus fundamentos em culturas que lhes antecederam. Não é de estranhar que tal ocorra, visto que é consensual situar nelas a própria origem do que habitualmente entendemos como cultura ocidental. Tal decorre de que, nestas culturas, em cada qual ao seu modo, pela primeira vez os homens procuraram compreender o mundo em que viviam e nele determinar o seus agires não a partir de suas crenças mas da observação e reflexão sobre a realidade imediata ao alcance de suas percepções. Assim o faziam, mesmo quando suas reflexões os levavam a questionar a capacidade da percepção humana de apreender o real em sua essência, a qual muitos julgavam estar oculta pelas diferentes aparências sob as quais este sempre pode apresentar-se.
Embora seja comum englobarmos estas culturas em um só conceito – greco-romanas ou clássicas –, o fato é que procuraram aproximar-se do real de modos muito distintos e, sob diversos aspectos, antagônicos. É sobre estes diferentes modos de apreensão e entendimento que assentam-se algumas das mais fundamentais ambigüidades teóricas da arquitetura.
É comum englobarmos estes modos de lidar com o real sob conceitos como razão e lógica e, de um modo geral, consideramos haver um certo grau de sinonímia entre ambos. Nos referimos vulgarmente ao pensamento racional e ao pensamento lógico em oposição ao pensamento místico ou mágico-religioso, como se fossem uma só coisa. Não é incomum, encontrarmos o termo grego logos traduzido pelo latino ratio. No entanto, são conceitos distintos e divergentes sob diversos aspectos. Nestas diferenças, reside a essência do que é diferente entre os modos grego e romano de apreender o real. Também, entre os diferentes modos como, ao longo da história do pensamento ocidental sobre a arquitetura, esta foi definida e conceituada, e muito da ambigüidade presente nestas definições e conceitos.
Ratio, originalmente, em latim, não significou o que entendemos hoje por razão. Significou medida. Ratio significa, literalmente, raio. O segmento de reta que vai de uma circunferência ao seu centro. A dimensão dele, mais especificamente. O compasso era usado pelos romanos não só como uma ferramenta para o traçado de arcos e circunferências. Era usado também para a transferência de medidas. O modo romano de aprender o real era a medição. O real, para os romanos, era tudo aquilo que podia ser medido de algum modo, que podia ser dimensionado, pesado, quantificado e, assim, comparado e situado na totalidade do apreensível.
Logos, em grego, significou, originalmente, palavra, ou verbo. Posteriormente, adquiriu também um sentido mais amplo, passando a significar o que hoje entendemos como razão: um método intelectivo para, através do estabelecimento de relações lógicas, chegar ao entendimento das coisas. Isto, porque o modo grego de apreender as coisas não se dirigia a elas, mas ao entendimento delas. À idéia delas produzida pelo pensamento, o qual tem a linguagem como meio e as palavras como matéria de suas operações. A medida busca desvendar a natureza material de uma coisa e se dirige a própria coisa. A palavra busca elucidar o entendimento da coisa produzido pelo intelecto a partir das impressões percebidas pelos sentidos. Ela não se dirige à coisa, mas a uma idéia dela. A palavra não busca a materialidade da coisa, mas a identidade. Ela a nomeia.
Não se trata de que a cultura grega não tenha dado contribuições significativas à capacidade de quantificar e descrever o real em termos matemáticos, reduzindo o concreto particular ao abstrato universal. Toda a trigonometria e geometria grega em geral representaram acréscimos fundamentais ao conhecimento ocidental. Tampouco que a poética romana, a literatura e a língua latina em geral não tenham deixado vasta contribuição ao modo de pensar deste conhecimento. Trata-se sim de discriminar o que estava na essência da origem dos modos grego e romano de entender o real. E esta essência revela-se justamente no significado original dos termos semânticos usados para denotar estes modos: logos e ratio.
Esta dualidade, entre a coisa enquanto matéria formada e, portanto, objeto mensurável, e uma essência dela, só passível de ser apreendida enquanto idéia, está, até hoje, presente nos fundamentos do significado que atribuímos à palavra razão, enquanto expressão de um modo de apreensão do real. Ao nível da epistemologia, por exemplo, apresenta-se, nas práticas metodológicas, através dos métodos qualitativos e quantitativos, que conseguem, até um certo ponto, atravessar horizontalmente o conhecimento ocidental contemporâneo. No entanto, é justamente, nesta dicotomia greco-romana, que podemos encontrar a grande fratura que, desde suas origens, o atravessa verticalmente. Esta fratura, situa-se exatamente ali, onde distinguimos o sujeito do objeto. De um lado as ciências humanas, de outro, as da natureza.