Respostas
Foi a mais mortal das epidemias. Entre 1347 e 1351, a peste negra dizimou metade da população europeia.
Embora haja desacordo, as estimativas são de 75 a 200 milhões de mortes. Estudiosos mais conservadores estimam que a população mundial de 450 milhões teria caído para 350 a 370 milhões.
A bactéria causadora da epidemia teve origem na China ou na Ásia Central, de onde viajou pela rota da seda, nos intestinos das pulgas que infestavam os ratos. Chegando ao Mediterrâneo, os ratos se encarregaram de levá-las para os navios, que disseminaram a doença pelos portos em que atracavam.
Relatos históricos dão conta do sofrimento humano. O poeta Boccaccio, que viveu em Florença nessa época, fez a seguinte descrição:
“Em homens e mulheres, ela se manifesta pela emergência de certos tumores nas virilhas e axilas, alguns dos quais chegam ao tamanho de uma maçã; outros, ao de um ovo… Dessas duas regiões do corpo esses tumores mortais logo começam a propagar-se e a espalhar-se em todas as direções; depois disso, a apresentação se modifica, em muitos casos manchas negras ou lívidas aparecem nos braços, nas coxas e outras partes, de início poucas e grandes, mais tarde pequenas e numerosas. Assim como os tumores, as manchas negras são sinais infalíveis de que a morte se aproxima daqueles nos quais se manifestam”.
Faltou dizer que a febre atingia 41 graus, os vômitos eram sanguinolentos, e que alguns desenvolviam complicações pulmonares, enquanto outros se curavam espontaneamente. Cerca de 80% iam a óbito em uma semana, proporção que aumentava para 90% quando havia comprometimento pulmonar e beirava 100% nos casos de septicemia.
As explicações para as epidemias de peste que já afligiam a Europa nos tempos de Justiniano, no século 8, eram imaginativas: conjunção de três planetas que espalharia pestilência no ar, terremotos, mendigos, peregrinos, estrangeiros, envenenamento dos poços de água pelos judeus (sempre eles), suposições que justificavam massacres sangrentos.
Foi apenas em 1894, quando um grupo de bacteriologistas visitou Hong Kong, que o agente etiológico, a Yersinia pestis, foi identificado por Alexandre Yersin.
Curiosamente, mesmo antes dos antibióticos, os casos mais recentes de peste não provocavam mortalidade elevada. As bactérias daqueles tempos seriam mais virulentas ou as pessoas mais fracas e desnutridas?
O advento de técnicas modernas de sequenciamento de DNA tem ajudado a decifrar essa questão. Um grupo de canadenses e americanos extraiu o DNA encontrado em dentes e ossos de pessoas enterradas no cemitério de East Smithfield, em Londres, última morada das vítimas da peste do século 14.
Em 2011, os resultados publicados na revista Nature mostraram que a Yersinia pestis daquela época está extinta, de fato. O genoma desse ancestral, no entanto, é bastante similar ao da bactéria de hoje.
Trabalhando com amostras antigas e recentes da bactéria, outros grupos observaram que a peste europeia foi causada por uma das 11 cepas que já circulavam na época de Justiniano. Entre os séculos 6 e 8, teria ocorrido um “big bang” de diversidade entre as yersínias, surgindo cepas novas dotadas de agressividade variável.
De acordo com esse modelo, deslocamentos humanos como os das Cruzadas e outras guerras, teriam criado pressões seletivas para que as bactérias se adaptassem rapidamente a ambientes estranhos e novos hospedeiros. Nessa luta pela sobrevivência, teriam levado vantagem as yersínias mais virulentas.
A partir de 1351, quando a epidemia europeia arrefeceu, a cepa virulenta que lhe havia dado origem pôde replicar-se com menos frequência, tornando-se mais estável, portanto mais semelhante às que circulam hoje entre seres humanos e roedores.
Estudos como esses têm sido realizados com os agentes de enfermidades responsáveis pelas mortes em massa do passado: varíola, tuberculose, hanseníase, sífilis e até o da praga da batata que matou de fome um milhão de irlandeses, entre 1845 e 1852.