Respostas
Vivemos de ideias feitas. Todos nós. Nas nossas áreas conseguimos mais ou menos resistir à pressão do pré-conceito e do provincianismo, mas não é fácil. Desde logo é, em virtude do tempo limitado, impossível termos um sentido crítico sobre tudo. É assim que confiamos nas recomendações de saúde das revistas ou nas imagens de uma notícia, ou nas indicações que um transeunte nos dá na rua. Isso não me choca – nem o mais obsessivo conseguiria viver em permanente sentido critico. O que me incomoda, cada vez mais, é a determinação com que assumimos posições ou verdades sobre assuntos sobre os quais temos poucas evidências. Abraçamos hipóteses sem cautela, não as chamamos hipóteses mas verdades inquestionáveis, não vamos para um caminho onde nos enviaram com calma, porque pode estar errado, vamos com determinação.
Vem isto a propósito das minhas reflexões sobre a conferência de História Global e Mundial que teve lugar este fim de semana, na maravilhosa cidade Budapeste. Porque a conferência foi aberta por uma palestra inaugural do Tamás Krauz sobre Lénine.
Foi isso mesmo, a que é hoje a maior conferência do mundo sobre história global, financiada com dinheiro da ciência alemã, e na qual estavam investigadores de todas as áreas das maiores universidades do mundo teve na abertura o debate do seu livro sobre Lénine, que é hoje o livro mais debatido neste campo, premiado, e que deita por terra milhares de banalidades que se escreveram em décadas de liberalismo, entre elas a maior, Lénine teria, em pensamento e acção, sido uma espécie de Estaline inicial (pelo contrário, o seu combate político e – sublinho – intelectual, a Estaline é central); ou a que diz que Lénine era um dirigente da acção, quando estamos perante uma das reflexões mais densas que existem no campo da teoria.
Para estas ideias sem consistência contribuiu não só o liberalismo, mas a própria memória construída pelos Partidos Comunistas afectos à URSS, que apoiaram a contra revolução russa estalinista, e reduziram o pensamento de Lénine a umas frases descontextualizadas, embrulhadas nuns resumos para consumo interno, que hoje estão (e bem!) no caixote de lixo da historiografia.
A conferência é na realidade alemã, britânica e norte-americana e holandesa, foram eles que me trouxeram (financeiramente) aqui. É em Budapeste porque é a cidade mais bonita do mundo, calma, ampla, o Danúbio acompanha-nos para todo o lado, escuta-se música clássica ou jazz em qualquer canto, tem os cafés – de origem imperial – mais acolhedores do mundo, perdoem-me o exagero, mas Budapeste é tudo.
Sabem o que vi na conferência? Uma grande desgraça, consumada, que nos últimos anos já me tinha vindo a incomodar. A distância entre a ciência que se produz nos países centrais e periféricos é cada vez maior – a história global do trabalho é cada vez mais uma história realizada por quadros dos países centrais ou quadros dos países periféricos que são captados para as melhores universidades dos países ricos, e que fazem ciência de excelência, porque aí têm salários, reconhecimento e condições de trabalho dignas.