• Matéria: Filosofia
  • Autor: melodiferreiraaq
  • Perguntado 7 anos atrás

Para Sócrates, qual a relação entre conhecimento e diálogo?

Respostas

respondido por: ggrraazzii28
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André Lisboa

Mar 15, 2018

Odiálogo tornou-se célebre na consciência ocidental como o meio de resolver conflitos, como primeira e fundamental alternativa ao estado de guerra. Como um exercício espiritual, que está enraizado em diferentes tradições, é impossível separar esta origem da figura do filósofo grego Sócrates (469–399 a.C). Não apenas o diálogo como exercício, mas a própria imagem do filósofo se associa comumente ao ateniense. “Pode-se dizer que o filósofo é definido ainda hoje pelo que ele possui de comum com Sócrates”, escreveu Nicolas Grimaldi.

Foi Sócrates, o primeiro a associar o conhecimento da verdade à cura dos males que inundam a existência do homem. Por ter como missão de vida despertar a consciência moral nos homens, Sócrates continua sendo considerado o primeiro dos filósofos. Há três traços fundamentais no labor filosófico do ateniense, que definiram a trilha de todos os demais filósofos, como nos explica Grimaldi:

“O primeiro é que um filósofo ensina tanto por meio de sua vida como de sua doutrina. O segundo é que a verdade basta para mudar nossa vida, fazendo-nos compreendê-la. O terceiro é que essa verdade é estritamente reflexiva, que ela possui, portanto, um caráter puramente lógico e nunca empírico. E até mesmo sobre esse estatuto da verdade que se engaja e se dá todo o empreendimento socrático. Contrariamente aos físicos, a verdade que importa ao filósofo não consiste em nenhum tipo de conformidade com o real, mas apenas em um acordo do pensamento consigo mesmo”.

E de que modo se dá o acordo do pensamento consigo mesmo? Por meio do diálogo. Em minhas aulas, muitas vezes brinco com os alunos questionando se há apenas discrepâncias entre o pensamento sofista clássico Górgias e a filosofia de Sócrates. Eles teriam algo em comum? O primeiro dizia nada existir e que, se existisse algo, nada se poderia saber deste algo, e que, se pudesse saber algo deste algo, nada se poderia comunicar. O segundo — Sócrates — que dizia? Ora, Sócrates dizia que nada sabia, contudo gostava de uma boa conversa.

Era o diálogo o condutor da sua relação com os outros e com o mundo, que nos levaria ao coração dos homens. Em primeiro lugar, para lhes arrancar a consciência: nada sei diante das metamorfoses e vicissitudes da vida. Em segundo, para lhes apresentar o jogo e o tabuleiro das palavras e a busca por suas origens, suas entranhas. É diante deste contexto que dialogar se apresenta como um exercício espiritual na filosofia socrática. O que nos diz Sócrates acerca do homem?

Este é um ser adoentado, uma alma que por um pecado foi aprisionada em um corpo e que dele precisa emigrar para outra dimensão, a dimensão das almas. “Outra coisa não faço senão andar por aí persuadindo-vos, moços e velhos, a não cuidar tão aferradamente do corpo e das riquezas, como de melhorar o mais possível a alma, dizendo-vos que dos haveres não vem a virtude para os homens, mas da virtude vêm os haveres e todos os outros bens particulares e públicos”, disse Sócrates ao justificar sua missão diante do tribunal de Atenas.

Pierre Hadot diz que, no pensamento socrático, o que está em questão não é aquilo sobre o que se fala, mas aquele que fala. O destino de sua prática socrática não é ensinar algo ao seu interlocutor, mas elevar a sua alma por meio do diálogo. Para tanto, ele acossa seus interlocutores com perguntas que os levam a prestar atenção sobre si, ele os leva a uma autoavaliação: “Mas, quanto ao teu pensamento (phronesis), à tua verdade (aletheia), à tua alma (psyche), que se trataria de melhorar, disso tu não cuidas, nisso tu não pensas”.

O diálogo é um exercício espiritual que convida o interlocutor a uma reflexão espiritual interior, “ao exame de consciência e à atenção a si, em síntese, ao famoso “conhece-te a ti mesmo”. O filósofo não é o sábio, mas aquele que está a caminho, diante, em direção da sabedoria (philo-sophos). Assim, com esta configuração, o diálogo socrático permanece ainda no diálogo platônico, em sua dialética, que se caracteriza por modelar, por representar um diálogo ideal.

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