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As duas décadas abordadas nesse volume retratam o país que surgiu da declaração da República e se preparava para as profundas mudanças com a Revolução de 30.
É o país da urbanização, da Belle Époque e da Semana de 22, da monocultura do café, das elites oligárquicas e das revoltas tenentistas, que assistia crescer o sentimento de nação e os conflitos sociais.
Oscar Pilagallo é jornalista, editor da série "Cadernos EntreLivros", colaborador da Folha e "Valor Econômico", e autor de "O Brasil em Sobressalto", "A Aventura do Dinheiro" e da série "A História do Brasil no Século 20".
Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.
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Confira a introdução do "Folha Explica A História do Brasil no Século 20: 1900-1920":
Há períodos da história do Brasil para os quais não faltam definições prontas e acabadas. Os dez primeiros anos da República, por exemplo, são descritos como um período de acomodação do novo regime, uma fase marcada pela ascensão oligárquica depois dos mandatos dos militares. Os anos 20, outro exemplo, transformaram-se no caldeirão em que ferveram as revoltas anunciadoras do Brasil moderno, que começaria a surgir com a Revolução de 30.
O que dizer, porém, das duas décadas que fazem a ponte entre esses dois momentos? O Brasil desse intervalo, de 1900 a 1920, não é um país de contornos nítidos - tudo é um pouco indefinido, como num salão enfumaçado da Belle Époque. É comum associar os primeiros anos do século 20 às invenções que encantavam a sociedade urbana, mas para esse traço marcante da história tecnológica e social não há correspondente na história política. Nesses 20 anos, encontram-se tanto resquícios da disputa típica do início da República como raízes do agito dos anos 20.
O período é inaugurado por dois governos que, num espaço de oito anos, encapsulam os dois extremos entre os quais o país nunca mais deixaria de oscilar, num movimento de pêndulo que vai da recessão saneadora ao desenvolvimento inflacionário. Os governos são os de Campos Salles (1898-1902) e Rodrigues Alves (1902-6). A importância dessas duas gestões para a atualidade pode ser medida por uma declaração de Celso Lafer. Ministro do Desenvolvimento, ele comentou em 1999: "Acho que o presidente Fernando Henrique Cardoso tem a oportunidade de fazer uma gestão que combine um ajuste econômico histórico, como o de Salles, com um grande desenvolvimento de obras, como Alves fez".
Fernando Henrique Cardoso, que certamente teve seus dias de Campos Salles, parece esperar ser avaliado pela história também como um Rodrigues Alves. A ambição não seria de hoje. Quase 20 anos antes do Plano Real, em 1975, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso escreveu um texto em que se mostrava mais inclinado para o presidente desenvolvimentista. Ao se referir ao saneamento das finanças e à correção da euforia do início da República, o futuro presidente usou os termos entre aspas, sem endossar, portanto, o sentido que em geral é atribuído àquelas reformas. Campos Salles seria o responsável por "uma quebra de quase metade do sistema bancário". Já Rodrigues Alves é retratado por Fernando Henrique como o presidente que "espalha pelo país, a partir do Rio, uma aura de modernidade".
A correspondência entre dois períodos separados por quase cem anos empresta um interesse especial aos eventos do início do século 20. Os governos de Campos Salles e de Rodrigues Alves, que inauguram os anos 1900, são objeto dos capítulos 1 e 2. Lá, o leitor encontrará elementos para avaliar se procede o paralelo histórico identificado por Lafer.
O capítulo 3 é dedicado ao café, a principal mola da economia durante a República Velha. Os mecanismos de valorização aí descritos viriam a influenciar os destinos do país por décadas.
O capítulo 4 trata das guerras e revoltas que ocorreram durante o governo do marechal Hermes da Fonseca. Mencionou-se antes que, no período abordado neste livro, encontram-se raízes dos anos 20. Aí estão algumas delas. Ao agitarem a corporação militar, essas revoltas são, por assim dizer, a pré-história do tenentismo.
O capítulo 5, por fim, descreve a consolidação da política do café-com-leite, com base num compromisso entre São Paulo e Minas Gerais que dura até a derrubada da República Velha.
Essa é a história que se quer contar.
"A história", escreveu Machado de Assis, "é a crônica da palavra." Machado pensava nas "cabeças salientes do passado", que com suas "bocas eloqüentes" nos legaram relatos de seu tempo. "A história não é um simples quadro de acontecimentos; é mais, é o verbo feito livro." O que aqui se inicia buscará essas vozes, como a do próprio Machado.