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Traços Culturais Básicos
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Podemos sintetizar a condição cultural brasileira com uma única expressão: "Fragilidade Cultural". Senão vejamos.
Na formação cultural brasileira distinguem-se duas vertentes principais. Na primeira delas incluímos a "Cultura Negra", de procedência africana, e a "Cultura Índia", autóctone. Na segunda, a "Cultura Européia Latina".
Agrupamos a "Cultura Negra" e a "Cultura Índia" numa mesma vertente pelo fato de se encontrarem num mesmo nível de desenvolvimento: o pré-lógico ou ecológico /R8/. Nestas culturas a problemática central de sobrevivência gira em torno da adaptação ao meio físico. São sociedades sem destino, sem significação (numa acepção estritamente técnica) e sem "projeto". Vivenciam assim um tempo cósmico, a-histórico, circular da revolução dos astros e da recorrência das estações do "ano".
Dada a proeminência da adaptação à natureza, seus deuses são o resultado da absolutização dos próprios fenômenos e forças naturais, onde a fertilidade - tanto a humana quanto a da natureza - ganha um papel de relevo.
Sociedades sem escrita. Sua macro organização não vai além da tribo ou de uma eventual e frágil aliança intertribal. A liberdade individual não é exercida pois a sociedade absorve inteiramente a individualidade. Não há justificativa para a iniciativa individual pois, em última instância, são os seus deuses que lançam os dados do destino. Mais valem as "ações" propiciatórias da fortuna do que ações decorrentes e consequentes de um "projeto".
É uma cultura muito pouco afeita à abstração. Com grande dificuldades de compreensão dos conceitos que não possuem um referente visível. O plano verbal conserva-se muito próximo do plano das coisas, o que facilita sobremaneira a confusão de planos. As dificuldades da vida concreta são transpostas para o plano verbal e verbalmente resolvidas na expectativa de que esta solução se transporte de volta à vida concreta. Para resolver problemas apelam para a magia, trocam nomes, expurgam índices e assim por diante.
A segunda vertente da formação de nossa cultura - a contribuição propriamente ocidental - nos vem de Portugal: a "Cultura Européia Latina" que a muitos parece ser uma mera versão, em contraposição à "Cultura Anglo-Saxônica", de uma só "Cultura Ocidental Cristã".
Em verdade, entretanto, a "Cultura Européia Latina" não passa de mera estratificação de uma cultura de transição que surge da passagem da "Cultura Cristã Medieval" para a "Cultura Ocidental Moderna" ou "Anglo-Saxônica".
Este período de transição tem suas balisas. De um lado, com a imposição do aristotelismo tomista como doutrina exclusiva e oficial da Igreja Romana em meados do século XIII. De outro lado, com a vitória dos liberais burgueses contra o absolutismo real nas revoluções que varreram a Europa nos fins do século XVI. Portugal é uma das nações onde veio dominar a versão aristotélico tomista do cristianismo. Uma das nações onde a revolução liberal perdeu a parada para a realeza aliada à hierarquia religiosa.
Ficou pois como traço fundamental destas estratificações culturais o "sistema" e a "hierarquia". A realidade social são os "papéis" que o sistema define e hierarquiza; que o sistema estrutura: estática e definitivamente.
Nesta cultura uns poucos ousam subtrair-se ao "sistema", mas para, certamente, a ele retornar. Não são inovadores, nem inventores, muito menos contestadores do sistema. São apenas aventureiros. Não saem ao encontro do próprio futuro, o que no íntimo seria pecado mortal contra o sistema que justamente veio para abolir: o futuro. Saem para uma aventura no caos e à barbárie, características do que está fora dos limites do sistema. O que almejam é a reinserção no mesmo sistema, apenas num "papel" de maior relevo e/ou hierarquia. Esta saída temporária do sistema é apenas para dar oportunidade à fortuna para escolhê-lo. No fundo, esta saída é apenas uma ventura propiciatória.
Na cultura do sistema não há lugar para o projeto. O futuro não se faz ou se quer. Ele é resultado do jogo de permutação de Deus. O sistema apenas funciona e nada mais.
A cultura do sistema é uma cultura sem identidade. Sem retrospectiva histórica e, consequentemente, sem prospectiva. Uma cultura que só pode sobreviver numa condição de dependência política e econômica de uma cultura que se assume "projeto", como a "Cultura Ocidental Anglo-Saxônica", como era a Inglaterra. E ela Portugal se acomodou.
Estas duas componentes da formação cultural brasileira são o bastante para caracterizá-la no que ela tem de essencial.
O desnível lógico entre estas culturas - as culturas negra e índia são pré-lógicas e a cultura européia latina é lógico formal - dá ensejo a que se instaure uma dominação culturalfácil e sem riscos porque é uma dominação quase-imperceptível, com base na qual pode-se exercer uma duradoura dominação política e econômica.
É importante notar que não se trata, em absoluto, de qualquer fenômeno de natureza racial, mas tão somente de natureza cultural. Tanto é assim que o que originalmente poder-se-ia denominar cultura negra hoje é cultura do "povão", não importando a origem étnica dos que a assumem. De igual modo, a cultura européia latina tornou-se hoje a cultura da "elite", nela incluindo-se a cultura da classe média, sem distinção racial.
As origens do que denominamos hoje sociedade brasileira estão no período colonial. Nessa época foram lançadas as bases organizativas inicais de uma sociedade com composição populacional e relações sociais diferenciadas. Brancos, negros (ecravos e libertos) e indígenas, dando origem a uma série de misturas étnicas, como o mameluco ou caboclo (índio com branco), o cafuzo (negro com índio) e o mulato (negro com branco), ergueram no continente recém-descoberto pelos europeus uma cultura e uma sociedade únicas, diferentes das encontradas na metrópole, embora tivessem em comum a língua portuguesa.