Respostas
A palavra ‘adaptação’ é empregada com muitos sentidos diferentes dentro da biologia. Só na biologia evolutiva, que é o que nos interessa agora, ela pode ser empregada de três maneiras principais:
1) Ela pode referir-se ao resultado do processo de evolução por seleção natural. Neste caso, os olhos, membros, etc podem ser considerados adaptações, já que muito de suas características evoluíram por seleção natural cumulativa ao longo de gerações. Creio ser esse o uso mais comum do termo. Veja mais aqui.
2) Ela pode ser usada como sinônimo do próprio processo de evolução por seleção natural. Agora estamos nos referindo ao processo pelo qual as populações de seres vivos ao longo das gerações ajustam-se, ao seu meio ambiente em mudança, mantem ou aumentam sua adequação ao mesmo. Neste processo certos indivíduos, em média, têm um maior sucesso reprodutivo do que os outros em virtude da posse de certas características fenotípicas que os distinguem dos demais, influenciando sua performance em certas interações ecológicas.
3) Ela pode também referir-se a característica (ou variante de uma característica), que surge por mutações aleatórias, cuja posse confere ao indivíduo que a carrega vantagens nas interações ecológicas em relação aos outros indivíduos da população que não a possuem, traduzindo-se em uma maior chance de deixar descendentes em certo contexto ecológico e demográfico particular. Por vezes, ao invés de adaptação vai se usar o termo caráter (ou característica) adaptativo(a) [veja aqui].
Infelizmente, isso pode causar bastante confusão, tornando muito importante que deixemos claro se estamos nos referindo a característica fenotípica como um ‘resultado final’ do processo de evolução adaptativa (1); ao próprio processo pelo qual isso acontece (2); ou a base ou causa (inicial) deste processo (3), que está associada a diferenças no sucesso reprodutivo esperado de diferentes tipos de indivíduos em virtude da posse de uma característica ou variante da característica (e dos genes ou alelos responsáveis por ela) em um dado contexto ecológico-demográfico.
Também é importante lembrarmos quenem tudo na evolução é adaptação em nenhum dos três sentidos discutidos acima. Algumas características fenotípicas podem espalhar-se ou serem fixadas - isto é, espalhar-se pela população através das gerações, passando a serem exibidas por, virtualmente, todos os seus membros - simplesmente ao acaso, por exemplo, por processos como a deriva genética aleatória ou apenas como resultado indireto da seleção natural, por meio, por exemplo, do ‘efeito carona’, em que certas variantes genéticas espalham-se pela população sem que a característica associada a tais variantes, ela mesma, confira qualquer vantagem aos indivíduos que a carregam. O que acontece nesse fenômeno é que essas variantes genéticas (alelos) que não conferem vantagens estão nos mesmos genomas dos mesmos indivíduos; muito próximas (em ligação) a outras variantes genéticas, essas sim, que conferem vantagens aos seus portadores. Assim, quando essas variantes são ‘selecionadas’, elas levam de reboque as outras, bem como as eventuais características fenotípicas pelas quais essas outras variantes sejam responsáveis.
O efeito carona e a deriva genética são ambos considerados fenômenos ou processos estocásticos e não-adaptativos. Outra possibilidade é que a característica surja como um ‘spandrel‘, ou seja, um mero subproduto (geralmente inicialmente não-adaptativo) dos mesmos processos genético-desenvolvimentais que dão origem também a característica adaptativa em si*. Muitas das estruturas e sistemas mais complexos que observamos nos seres vivos, de fato, são o resultado de uma complicada mistura de processos adaptativos (i.e.seleção natural) e não-adaptativos.
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* É também interessante explicar que mesmo características inicialmente não adaptativas, sejam elas produtos da deriva genética, efeito carona ou spandrels, podem, eventualmente, conferirem alguma vantagem aos indivíduos que as carreguem - talvez em um ambiente diferente ou em combinação com uma outra nova característica. Nesta situação, elas passariam a ser alvos da seleção natural, que poderia levá-las a fixação (caso ainda não tivessem sido fixadas) e/ou a modificações subsequentes, tornando-se o que Stephen Jay Gould e Elisabeth Vrba chamaram de exaptações. Aliás, mesmo estruturas que evoluíram originalmente por seleção natural, mas em um contexto específico e, portanto, com uma função particular, podem ser cooptadas e evoluir por seleção natural em um contexto distinto, passando a servir para outra função. Esse também é um caso de exaptação