• Matéria: Artes
  • Autor: biauzeda8
  • Perguntado 7 anos atrás

Por que a expressão musical pode ser considerada uma fonte histórica?

Respostas

respondido por: guilhermesramos
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Resposta:

Sons e ruídos estão impregnados no nosso cotidiano de tal forma que, na maioria das vezes, não tomamos consciência deles. Eles nos acompanham diariamente, como uma autêntica trilha sonora de nossas vidas, manifestando-se sem distinção nas experiências individuais ou coletivas. Isso ocorre porque a música, a forma artística que trabalha com os sons e ritmos nos seus diversos modos e gêneros, geralmente permite realizar as mais variadas atividades sem exigir atenção centrada do receptor, apresentando-se no nosso cotidiano de modo permanente, às vezes de maneira quase imperceptível. Porém, é preciso levar em conta que, desde pelo menos as últimas três décadas, essa situação chegou ao paroxismo, pois vivemos envolvidos em um verdadeiro turbilhão de sons escutados indiscriminada e simultaneamente. Talvez por isso a escuta contemporânea ocidental obrigue o ouvinte a circunscrever a recepção a certos estilos e gêneros, ao mesmo tempo em que penetra por angústias, transformações e perturbações evidentes, repercutindo os abalos mais gerais2.

Entre as inúmeras formas musicais, a canção popular (verso e música), nas suas diversas variantes, certamente é a que mais embala e acompanha as diferentes experiências humanas. E provavelmente, como apontou Antonio Alcântara Machado, citado na epígrafe3, ela está muito mais próxima dos setores menos escolarizados (como criador e receptor), que a maneja de modo informal (pois, como a maioria de nós, também é um analfabeto do código musical) e cria uma sonorização muito própria e especial que acompanha sua trajetória e experiências. Além disso, a canção é uma expressão artística que contém um forte poder de comunicação, principalmente quando se difunde pelo universo urbano, alcançando ampla dimensão da realidade social. Se de fato essas condições, já identificadas por Alcântara Machado na passagem dos anos 20/30, são reais e se estabelecem dessa maneira, aparentemente as canções poderiam constituir-se em um acervo importante para se conhecer melhor ou revelar zonas obscuras das histórias do cotidiano dos segmentos subalternos. Ou seja, a canção e a música popular poderiam ser encaradas como uma rica fonte para compreender certas realidades da cultura popular e desvendar a história de setores da sociedade pouco lembrados pela historiografia.

Todavia, tais investigações raramente têm ocorrido e por diversas razões. Normalmente, os trabalhos historiográficos que tratam de desvendar as relações entre história, música e produção do conhecimento enfrentam uma série de interminável de dificuldades (que de maneira geral também são aquelas enfrentadas por boa parte dos historiadores). Isto é, a dispersão das fontes, a desorganização dos arquivos, a falta de especialistas e estudos específicos, escassez de apoio institucional etc. Por isso, as pesquisas, não raro, acabam resumindo-se a trabalhos individuais de campo e de arquivos isolados de quaisquer investigações sistemáticas e de longa duração4. Com relação à música popular urbana moderna, os problemas ganham nova e grave dimensão, ampliando e dificultando em todos os sentidos o desenvolvimento das pesquisas. As universidades5 e agências financiadoras tradicionalmente menosprezaram as pesquisas em torno dessa temática. Quando cederam espaços às investigações sobre a música popular, sempre o fizeram quando havia relações ou com a música erudita ou a folclórica, delimitando-as exclusivamente a esses respectivos departamentos e núcleos. Durante muito tempo as pesquisas que fugiam dessas variantes eram encaradas com relativo desprezo. De certa forma, E. Hobsbawn, no seu interessante trabalho sobre história social do jazz (em que se escondeu sob o pseudônimo de Francis Newton por vários anos), identificou, no início dos anos 60, essa situação de descrédito acadêmico ao analisar as transformações da cultura e da música popular urbana no final do século XIX. Ele dizia que "a segunda metade do século XIX foi, em todo o mundo, um período revolucionário nas artes populares, embora este fato tenha passado despercebido daqueles observadores eruditos mais esnobes e ortodoxos"6.

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