Respostas
O século XIX, como é sabido, mudou de forma radical o modus vivendi do mundo ocidental, sobretudo, nos grandes centros urbanos da Europa, tendência que se espalhou, posteriormente, por diversas outras regiões, desencadeando uma transformação efetiva da sociedade em geral. A era industrial, alavancada pela economia capitalista e pela mentalidade positivista, desencadeou, assim, um desenvolvimento tecnológico sem precedentes, resultando não apenas numa nova sociabilidade, mas também em outros modos de interpretar a realidade e seus múltiplos sentidos.
Com todas essas transformações, assiste-se a um processo de reorganização da economia e, consequentemente, da própria experiência social, o que supõe, por um lado, maior acesso aos bens industriais de consumo e, por outro, a exclusão social em grande escala, esta última como reflexo irrefreável de uma modernidade cujas consequências seriam percebidas imediatamente após a racionalização do cotidiano tornar-se a tônica do mundo ocidental desenvolvido. Como resultado mais palpável da nova realidade que se impõe, o ser humano passa – nos termos do materialismo histórico – à condição de mero instrumento de manipulação capitalista, por meio do qual a mais-valia se transforma no principal mecanismo de obtenção de lucro pelos detentores dos meios de produção. Nesse contexto, conceitos como o sentimento e o humanitarismo perdem cada vez mais espaço, ficando, muitas vezes, reduzidos aos limites incontornáveis do registro literário.
E é exatamente no âmbito da expressão literária que surge, nesse período, um escritor inconformado com as atrocidades advindas das mudanças ocorridas na Inglaterra vitoriana, cuja característica principal talvez tenha sido contínuos períodos de industrialização, seguidos de intensa exclusão social. Com efeito, Charles Dickens (1812-1870), que conheceu as mesmas agruras que os trabalhadores de sua época, representou, por meio de obras inesquecíveis, muitas vezes de cunho panfletário, as distorções sociais causadas pelo processo de modernização da Europa, criando personagens-tipos e levando a crítica social ao extremo por meio da expressão literária. Assim, ao narrar o cotidiano londrino, logrou alcançar alto grau de dramatização da realidade, fazendo de sua produção – não poucas vezes – uma representação fiel do processo de modernização excludente de que os trabalhadores ingleses foram vítimas.
A relevância da obra de Charles Dickens nesse contexto foi de um singular pensador da sociedade vitoriana, cuja produção voltava-se, em particular, para o detalhamento e para a denúncia das situações extremas vividas pelos moradores da Inglaterra finissecular, em especial, por aqueles que compunham a grande massa dos desvalidos da Revolução Industrial, o que está plasmado com inquestionável domínio estético nos romances “Oliver Twist” de 1837 e “Grandes Esperanças” de 1860.
É, portanto, tendo esse cenário como plano de fundo que Dickens começa a produzir suas histórias, apresentando um painel de Londres, muitas vezes, grotesco, já que se tratava de situar suas personagens num cenário decadente, caracterizado pela explosão demográfica e pelo êxodo rural, pela exploração do trabalho infantil, pela situação de pobreza extrema e pela violência urbana (lembrando, a título de exemplo, que é por volta dessa época que se torna célebre, nas ruas londrinas, a figura do temido Jack, o Estripador), enfim pelo esguarçamento do tecido social como um todo.