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Durante muito tempo, no ocidente, a religião e o Estado estiveram vinculados. Antes de se instalar a filosofia iluminista no velho mundo, filosofia que outorga ao homem e a mulher a prerrogativa de traçar os seus destinos, os governos eram de caráter teocráticos. Estes tinham por princípio orientador a lei divina, ciência revelada por Deus, uma dádiva divina, na qual todas as ciências ficavam submissas à teologia, nada cabendo ao homem a não ser a passividade. Havia naquele modelo de governo uma centralização do poder nas mãos de papas e monarcas absolutistas. Todo monarca precisava ser ungido pelo papa e monarcas e papas viviam disputando o poder, chegando mesmo a fatiá-lo entre poder espiritual e poder temporal. Este paradigma ficou conhecido como cristandade.
Funcionários eclesiásticos e régios
A cristandade se deu durante a Idade Média, por volta do século 5 da nossa era. O principal expoente foi Santo Agustinho, que desenvolveu a tese de uma teologia moral muito acentuada. Uma das incongruências praticada por esta teologia era de que a filosofia, inimiga de tudo que é dogmático, uma teoria do conhecimento que não está a serviço de qualquer dogma, estaria a serviço da teologia. Chega a ser hilário: a inimiga da religião, naquilo que esta representa de dogmático e castrativo ao ser humano, estar a serviço da teologia. O mais contraditório é que a filosofia nasceu e a razão dela existir é libertar o ser humano de tudo que é dogma, não podendo, assim, estar a serviço de algo que nada teria a ver com os seus princípios. O modelo de cristandade, após ter sucumbido na Europa, se instala no ultramar sob uma roupagem nova e uma nomenclatura diferente: o padroado.
O padroado se configurou durante o período final da ingerência da Igreja no Brasil e nas demais colônias ultramarinas. Ainda no século 18, em total dissonância com o Iluminismo francês, a Coroa portuguesa mantinha funcionários eclesiásticos, mesmo estes estando em rota de colisão com os funcionários régios – os servidores do Estado português – porque, naquele momento, mesmo em colônias ultramarinas, o espírito iluminista já havia contaminado o mundo.
Riqueza e poder
O pensamento do filósofo Kant já se fazia presente em todas as partes do mundo. Em sua obra Idéia de uma História Universal ou, uma Visão Cosmopolita da História, defende a tese de que a história humana é constituída de uma forma progressiva, de uma forma racional, seguindo os passos da natureza, mas no sentido de o homem ser capaz de buscar resoluções para os seus impasses por via de uma constituição normatizada por meio de um contrato social. Por esta razão, se explica a dificuldade de os funcionários régios terem dificuldades em se relacionarem com os funcionários eclesiásticos. Tudo pelo fato de o Estado brasileiro, apesar de estar sob a jurisdição portuguesa, era submetido a imposições do Vaticano.
O que mais nos choca é ver, em pleno século 21, uma figura obsoleta, anacrônica e retrógrada, como é o papa Bento 16, vir ao Brasil dar palpites em nossas políticas de Estado e, o que é mais espantoso, o nosso chefe de Estado ir, pouco tempo depois, ao Vaticano e desenterrar paradigmas que já havia ficado esquecidos no lixo da História. O modelo de nulidade de matrimônio na Igreja Católica é um processo muito caro e quase ninguém mais está recorrendo a este expediente. Talvez por ter se esgotado uma fonte de renda para a Igreja e esta não tivesse mais um instrumento de controle sobre as pessoas, foi buscar esse mecanismo. A Igreja tem se extasiado durante toda a sua história com duas coisas: riqueza e poder. Por sinal, estes dois elementos têm uma grande aproximação, em toda história humana: quem deteve o poder econômico sempre deteve, também, o poder político.