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No mundo marcado pela performance midiática de nossas vidas, as promessas democráticas das plataformas digitais começam a ruir diante de uma nova lógica capitalista Em A Rosa Púrpura do Cairo (1985), filme de Woody Allen, em meio à Grande Depressão econômica dos anos 1930. Cecilia troca a realidade pela fantasia assistindo seguidamente à mesma película até que o protagonista sai da tela e entra em sua vida. Premissa fantástica do rompimento da divisão entre o real e o imaginário, o cotidiano e o cinema, a vida dura e as promessas de felicidade. Nossa própria compreensão passou a ser alterada a partir do momento que passamos a viver para uma audiência. Cada época tem algo que a sintetiza, uma prática disseminada de tal forma que deixa de ser motivo de estranheza ou reflexão. Em menos de uma década, a prática de fotografar a si mesmo para postar em redes sociais ou enviar por mensagens instantâneas tornou-se tão comum para quem possui um smartphone que se naturalizou. A selfie pode ser um bom ponto de partida para começar a refletir sobre a mudança que se passou quando as câmeras fotográficas passaram a ser acopladas aos telefones celulares, incitando seus usuários a voltarem as lentes para si mesmos. A câmera fotográfica não apenas se disseminou como nunca antes e já no equipamento que permite divulgar as fotos, mas ela foi virada para o usuário alçado a paparazzi de si próprio. O giro da câmera para si mesmo sintetiza a passagem para as mídias em rede, consolidando o advento da Internet comercial iniciado em meados da década de 1990. Se na mídia de massa, marcada predominantemente pela comunicação vertical do broadcasting, os espectadores são incitados a se identificarem com ídolos do cinema e da televisão, na rede, moldada pela horizontalidade, vivem como protagonistas de suas próprias vidas. Redes sociais como Facebook, Instagram ou YouTube incitam seus usuários a, online, aproximarem-se da experiência que anteriormente era disponível apenas a seus antigos ídolos. Por meio da criação e postagem de fotos e vídeos, usuários de mídias digitais passam a performar a si mesmos para sua audiência particular, emulando no cotidiano as estratégias de publicidade do star system de Hollywood Os motivos nas fotos, seus enquadramentos e poses não deixam dúvida sobre a inspiração cinematográfica, televisiva e até publicitária nas fotos que se multiplicaram exponencialmente em perfis e canais de usuários comuns. A ascensão das mídias em rede faz pensar não em uma ruptura, antes em uma continuidade e aprofundamento do papel da mídia em nossas vidas. A expectativa de exposição midiática de si mesmo incita ao uso de filtros, ferramentas ou aplicativos que “melhoram” a imagem, permitindo apresentar pele mais lisa, sem marcas de cansaço, dentes mais brancos e olhos brilhantes. Também incita à adoção de diferentes técnicas corporais que vão das dietas aos exercícios, consumo de roupas, cosméticos e até cirurgias estéticas. Dos astros e estrelas do cinema, passando pelos ídolos da televisão, até chegarmos às celebridades dos reality shows e sua multiplicação nas redes sociais, a tecnologia estendeu sua mão a nós que, feito Cecilia no filme de Allen, rompemos o aparentemente intransponível limite da tela. Hoje, muitos de nós vivemos performando midiaticamente nossas vidas de tal forma que a fronteira entre ambas se esfumou não apenas online, mas também no off-line de nossas consciências. O dilema de Cecilia – o de escolher entre a fantasia ou voltar à realidade – já não nos serve. A velha oposição virtual e real evocada nos inícios da Internet não dá conta de nosso cotidiano moldado no contínuo on-offline. É na fronteira delicada e desafiadora entre o dentro e fora da rede que vivemos agora. Se o fascismo incorporou as análises sobre conflitos sociais baseadas em classes, distorcendo-as a ponto de autodenominar-se, na Alemanha nazista, de nacional-socialismo, não é de causar surpresa que o microfascimo contemporâneo beba nas discussões sobre diferenças achatando-as ao identitarismo belicoso. O fascismo sempre floresce em meio às disputas por recursos escassos durante longas crises econômicas, como as desencadeadas em 1929 ou 2008, assim como se expressa pelos meios comunicacionais em voga, quer sejam o rádio e o cinema na década de 1930, ou a televisão e a Internet atualmente. Seu combustível não é menos concreto que o desespero que engendra, quer ele se expresse com