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A democracia é um dos principais temas de nosso tempo. Certamente por isso, Norberto Bobbio dedicou boa parte de sua obra às análises sobre as possibilidades e sobre os limites dessa prática política, que há mais de 200 anos vem se afirmando, de forma crescente, nas diversas sociedades.
Entre os muitos pontos para os quais Bobbio nos chama a atenção, talvez o aspecto central seja o reconhecimento da democracia como algo dinâmico, como um processo em constante transformação. É com base nessa constatação, apresentada logo no início de O futuro da democracia, que podemos e devemos acreditar no potencial das sociedades democráticas, apesar de todas as dificuldades que o cotidiano revela.
Como ensina nosso autor, entre os ideais e a “matéria bruta”, ou seja, entre a teoria e a prática, entre o que foi prometido e o que foi realizado, há uma longa distância. Se, por um lado, as frustrações com o estado da “matéria bruta” nos choca e nos desanima, por outro, é justamente a orientação positiva dos ideais democráticos e o caráter transformador inerente a esse tipo de regime que nos leva a refletir sobre as razões do déficit democrático e a buscar sua redução. Afinal, as democracias, definidas sinteticamente como um “conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”(1), continuam se apresentando como uma alternativa política mais interessante aos regimes autocráticos.
De fato, o debate contemporâneo sobre a questão democrática volta-se não mais para afirmar o primado da democracia entre os regimes políticos, mas para o aprofundamento e a qualidade desses regimes. Para além de compreender por que as democracias são preferíveis a outras formas de governo, é fecundo neste momento explorar de que maneira, e sob que condições, elas se estabelecem e podem evoluir, no contexto de sociedades urbanas e políticas públicas de larga escala.
O aprofundamento das democracias, na maior parte dos países e, particularmente, no Brasil, deve orientar-se pela superação dos descompassos entre os ideais e a realidade. Bobbio nos dá algumas pistas para essa tarefa ao identificar certos propósitos que, na prática, as democracias não foram capazes de realizar. Destacam-se, dentre elas, a importância de se estender a democracia política para a democracia social; a necessidade de combater o que denomina poder invisível, ou seja, de se realizar o princípio da publicidade, e, por fim, de se promover a educação para a cidadania.
No Brasil, a experiência política e social das últimas duas décadas, sobretudo após a promulgação da Constituição de 1988, tem mostrado alguns caminhos para avançarmos em relação aos três pontos levantados. O princípio da democracia participativa assegurado pela nova ordem jurídica e os instrumentos institucionais criados para sua implementação, como os Conselhos Gestores de Políticas Públicas e o Orçamento Participativo, apresentam um quadro positivo, tanto para a democratização das instituições sociais como para a transparência dos atos públicos e a educação para a cidadania.
No primeiro caso, tanto os Conselhos como o Orçamento Participativo contribuem para a extensão horizontal da democracia, isto é, do locus onde esta ocorre, na medida em que permitem a participação política diretamente na gestão de políticas públicas. A criação desses instrumentos possibilita, assim, a democratização de um outro espaço de poder, a Administração Pública, introduzindo uma nova cultura política, menos hierarquizada e mais aberta aos anseios da sociedade civil.
Essa interferência direta da sociedade na formulação e no controle das políticas públicas acaba por promover algum aumento na efetivação do princípio da publicidade. Uma vez que representantes da sociedade civil, no caso dos Conselhos, ou mesmo os próprios cidadãos, no caso do Orçamento Participativo, participam ativamente das deliberações públicas, intensifica-se a exigência por transparência dos atos de Estado.
Também quanto ao último ponto, a educação para a cidadania, as diversas formas de co-gestão entre Estado e sociedade civil desempenham papel essencial. Se a democracia é sempre processo, é também um constante aprendizado para quem dela participa. Espaços de atuação política, como os Conselhos e o Orçamento Participativo, por serem canais institucionais permanentes, que permitem a participação dos cidadãos para além do momento do voto, configuram-se como locais privilegiados de formação para a cidadania. Assumem um papel pedagógico crucial, que atinge todos os participantes, sejam do governo, seja da sociedade civil, tanto de modo individual como coletivamente.
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