Question

O DONO DA LÍNGUA SOMOS NÓS, O POVO

-Pilhei a senhora num erro! - gritou Narizinho. A senhora disse: ‘Deixe estar que já te curo!’ Começou com o "Você" acabou com o "Tu" coisa que os gramáticos não admitem. O ‘te’ é do ‘Tu’, não é do ‘Você'…


-E como queria que eu dissesse, minha filha?


-Para estar bem com a gramática, a senhora devia dizer: ‘Deixa estar que já te curo’.


-Muito bem. Gramaticalmente é assim, mas na prática não é. Quando falamos naturalmente, o que nos sai da boca é ora o você, ora o tu; e as frases ficam muito mais jeitosinhas quando há essa combinação do você e do tu. Não acha?


-Acho, sim, vovó, e é como falo. Mas a gramática…


-A gramática, minha filha, é uma criada da língua e não uma dona. O dono da língua somos nós, o povo; e a gramática – o que tem a fazer é, humildemente, ir registrando o nosso modo de falar. Quem manda é o uso geral e não a gramática. Se todos nós começarmos a usar o tu e o você misturados, a gramática só tem uma coisa a fazer…


-Eu sei o que é que ela tem a fazer, vovó!”, gritou Pedrinho. “É pôr o rabo entre as pernas e murchar as orelhas…


Dona Benta aprovou.


(Monteiro Lobato. Obra Completa. “Fábulas”, São Paulo, Editora Brasiliense)



1- Em relação ao erro apontado por Narizinho na fala de D. Benta - "Deixe estar que já te curo!":
a) Narizinho diz a D. Benta:

-Para estar bem com a gramática, a senhora devia dizer: "Deixa estar que ja te curo!"

Segundo a regra gramatical, Narizinho poderia ter feito outra "correção" na fala de D. Benta? Se sim, qual seria?

2- Qual a concepção de gramática defendida por D. Benta? Em que medida ela se opõe à concepção subjacente à fala de Narizinho?

Answer 1

1. a) Sim, Narizinho poderia ter feito outra "correção" na fala de D. Benta.

Ela poderia corrigir a frase assim:

"Deixe estar que já lhe curo"

Pois, assim, o verbo (deixe) se refere a "você" e o pronome (lhe) também, mantendo a concordância exigida pela gramática.

b) A concepção da gramática defendida por D. Benta é a internalizada ou implícita, que se refere ao conjunto de regras que o falante de uma língua domina e que nem sempre está de acordo com as regras da gramática normativa, que é a concepção defendida por Narizinho.