A) Por que, então, durante tanto tempo , os historiadores da arte decidiram ignorar o trabalho de quase todas as mulheres artistas?
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Resposta:
Durante todo o ano de 2009, o Musée National d'Art Moderne, mais conhecido como Centre Georges Pompidou, abrigou uma exposição considerada, por seus curadores, radical e sem precedentes: a das obras de mulheres artistas presentes em sua coleção. O critério curatorial adotado, centrado no gênero dos criadores, ainda que incomum, não é propriamente inédito. O museu organizou em 1995 a exposição Féminin-Masculin: le sexe de l'art e, mais recentemente, em 2007, Wack! Art and Feminist Revolution foi realizada pelo Museum of Contemporary Art, de Los Angeles. Todavia, a dimensão de Elles a destaca e a singulariza; pois como explicita o diretor da instituição, a mostra ocorreu "numa escala jamais realizada por outro museu, reunindo mais de 200 artistas e mais de 500 obras em 8000m²".1
É interessante notar que, em 2010, com apenas um ano de diferença, o Moma de Nova Iorque lançou o livro Modern Women (Butler e Schwartz, 2010), dedicado ao levantamento, análise e compreensão das obras de mulheres artistas em sua coleção. Ainda que a publicação não resulte de uma exposição, mas sim de um projeto de pesquisa, a sincronia é reveladora. Trata-se de consistente indício do impacto que os estudos sobre as relações entre arte e gênero realizados no ambiente acadêmico foram finalmente capazes de gerar no campo das instituições artísticas. Pode-se dizer que tais debates tiveram início nos anos de 1970, com o célebre artigo de Linda Nochlin (1973), Why there been no greatest women artists, no qual a autora indagava-se sobre as causas da aparente inexistência das mulheres artistas na história. Ao demonstrar que tais lacunas em nada derivariam da ausência "natural" de talentos, mas sim da exclusão feminina das principais instâncias de formação de carreiras artísticas ao longo dos séculos XVIII e XIX – as academias de arte –, a autora ensejou um importante deslocamento explicativo, inaugurando o que se pode denominar como uma perspectiva feminista na história da arte. Desde então, inúmeras monografias, artigos e livros dedicados a mulheres artistas, bem como colóquios, revistas e debates acadêmicos passaram a mobilizar, de diversas maneiras, a dimensão do gênero, para refletir sobre as produções artísticas, sua história e os limites da historiografia da arte tradicional.2 Cabe notar que uma questão nevrálgica em tais estudos diz respeito ao modo desigual com que as instituições historicamente trataram homens e mulheres, o que significa esquadrinhar tanto aquelas instituições dedicadas à formação dos artistas, como àquelas dedicadas à consagração de sua atividade, tais como a crítica de arte, a imprensa, o mercado e, finalmente, os espaços expositivos e os museus. Assim, o fato de dois museus de notória relevância e prestígio, alocados nas duas maiores metrópoles da arte moderna do século XX – Paris e Nova Iorque – terem, quase ao mesmo tempo, produzido uma exposição e um vasto estudo sobre obras das artistas mulheres de suas coleções é, em si, uma resposta concreta e positiva às proposições, indagações e críticas que as relações entre gênero e arte vêm sedimentando há algumas décadas.
Para dar corpo a tal proposta, as obras foram organizadas a partir de divisão temática, e não cronológica. Opção essa que, por sinal, é afirmada na introdução do catálogo como uma diretriz do Musée d'Art Moderne e, diferindo da questão do gênero da autoria, não é debatida com a profundidade esperada em nenhum outro momento.3 Os módulos apresentados em sua sequencia original são os seguintes: Pionnieères [Pioneiras], Feu à Volonté [Fogo livre], Corps Slogan [Corpo Slogan], Eccentric Abstraction[Abstração Excêntrica], Le Mot a l'Oeuvre [Da Palavra à obra], "Un Chambre a Soi" [Um quarto para si], Immaterielles [Imateriais] e "A Propos de l'Exposition" [Acerca da Exposição]. O catálogo que será neste texto discutido é composto por uma introdução para cada um dos módulos assinada por um curador responsável, ao que se segue um conjunto de obras escolhidas como ilustrativas da questão abordada, sem com isso se esgotar todas aquelas presentes na exposição e, ao final, uma série de 15 ensaios e documentos sucintos que permitem recuperar histórica e teoricamente os debates sobre arte e gênero no campo da história da arte.
Tendo em vista a amplitude possível de temas ofertados para a reflexão pelo catálogo e pela mostra, gostaria de me dedicar particularmente a um: a escolha por expor "apenas" mulheres artistas; questão que possui centralidade nos estudos sobre arte e gênero. O partido adotado provoca inúmeros questionamentos que, sabiamente, os curadores não tentaram responder de modo definitivo ou tranquilizador. Elles se pretendeu mais do que uma exposição de obras selecionadas por sua suposta inquestionável qualidade artística dispostas num espaço museal tendo como fim último a sua simples visibilidade.