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Maquiavel e as formas de governo
O legado filosófico-político de Maquiavel é caudatário do pensamento que busca seus fundamentos na realidade fática, seja no aspecto histórico, em que resgata a trajetória do Império Romano, seja no contexto político em que ele vivia, o Renascimento italiano.
A teoria política de Maquiavel, por outro lado, recorre a fórmulas pragmáticas com que aconselha aos detentores do poder, bem como aos futuros líderes que se proponham a governar, discorrendo sobre a forma com que eles devem se comportar diante dos adversários e, também, diante do povo, a quem ele denomina de vulgo – conotação em certa medida esnobe. Trata-se, por assim dizer, de verdadeiro receituário ou manual de instruções para a conquista e o exercício do poder político.
Embora os escritores clássicos dividissem as formas de governo entre boas e más (monarquia, aristocracia e politia, cujas degenerações eram tirania, oligarquia e democracia), Maquiavel sustentava a existência apenas de duas delas (monarquia e república), sem, contudo, fazer acepção acerca de suas formas corruptas. A adoção de uma ou outra variava de acordo com o contexto político e social: se o momento fosse de tranquilidade, paz e estabilidade, a monarquia seria o melhor governo; se de convulsão e de conflitos extremos, a república corresponderia à melhor alternativa.
Não havia, de resto, forma de governo essencialmente boa ou má, mas era a intenção do governante que o tornava bom ou mau. Monarquia e república, em si, não tinham natureza positiva ou negativa. O método e a finalidade com as quais o príncipe conduzia as coisas do Estado é que contava na avaliação de Maquiavel. Se agisse pelo interesse público, em favor da comunidade política governada, em que as prioridades públicas do Estado fossem atendidas, ambas, monarquia e república, seriam boas. Todavia, se se comportasse com vistas aos interesses individuais, particulares, mesquinhos e egoísticos, o governo seria corrupto e degenerado.
Na obra Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio, Maquiavel ensina que, ao se fundar um Estado, quer pela colonização de um lugar ainda novo e inexplorado, quer pela conquista de um povo já estabelecido, a constituição política que lhe der início ou reinício deve ser fruto do gênio de um único homem, não de alguns (aristocracia) ou de todos (democracia). Este homem, sábio e habilidoso, fixará os ditames preconizando o bem público ou “a pátria comum”, termo por ele utilizado na obra. Menciona, como exemplos desses homens, Rômulo em Roma, Licurgo em Esparta e Teseu em Atenas.
Cabe notar, neste texto monumental de Maquiavel, o fato de que o príncipe, quando da implementação de seu projeto para satisfazer o interesse público e o bem comum, está autorizado a lançar mão de meios nada ortodoxos para atingir esses objetivos (no texto, Maquiavel se socorre de um eufemismo: ação extraordinária), isto é, pode ele fazer uso de meios violentos, arbitrários e abusivos, no momento em que for fundar o novo poder político do Estado, e nele se manter.
O que legitimaria tais “ações extraordinárias” seriam, portanto, as finalidades coletivas a serem perpetradas em benefício de todos os cidadãos, daí porque talvez disso se tenha extraído a fórmula maquiavélica de acordo com a qual os fins justificariam os meios, axioma este obviamente construído pelo senso comum, uma vez que Maquiavel nunca tenha dito tal assertiva assim, de forma tão literal.
Ainda que se comporte tiranicamente, se se preservar os valores públicos de beneficiar a todos, o governante não poderia ser objeto de repreensão “de nenhum sábio engenho” – leia-se crítica política –, porquanto na fundação da uma cidade (Estado), o governo deverá sempre estar a cargo de uma só pessoa, a quem será outorgado todos os poderes e meios necessários e voltados à coesão da comunidade em torno da qual se organizará o poder.
Porém, ao longo da existência política desse Estado, ainda que fundado em bases autoritárias, o poder será distribuído aos ricos e nobres (aristocracia) ou à plebe e ao vulgo (democracia). Foi exatamente o que aconteceu em Roma, modelo político admirado por Maquiavel, onde o poder também foi paulatinamente concedido pelos cônsules aos aristocratas (senado) e ao povo (tribunos). Neste instante, há certa afinidade de Maquiavel com a solução do governo misto preconizado por Políbio.
Não obstante a fama despótica em que está permeada a ideia política de Maquiavel, é possível, ainda sim, conceber uma certa vertente democrática em Maquiavel.