No precioso livro O léxico de Guimarães Rosa, da professora nice sant' anna martins registram se exatas 203 palavras com des. Sinal de que o des e uma tentaçao irressistivel para quem gosta de brincar com as possibilitades do idioma. Ate o desmim Guimarães rosa inventou . Querer mil gritar e nao pude desmim de mim mesmo me tonteava numas ansias diz riobaldo no grande sertao veredas A multiciplicidade de sentidos que o prefixo des-possibilita criar
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"O LÉXICO DE GUIMARÃES ROSA"
Obra desvenda mistérios do "rosês"
NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando uma criança lida com palavras pela primeira vez em sua vida, o nome de cada objeto parece coincidir com o próprio objeto. Imagine então o português como uma língua que você acaba de inaugurar e cuja estrutura léxica e sintática é diferente da que você conhece, mais flexível. Se fosse assim, com o prefixo des, por exemplo, poderíamos formar palavras como desescrever, desdescer; com o prefixo sob, sobestar, sobfazer, sobpular. Com o sufixo mente, apontadormente, narizmente. As palavras estariam sempre se transformando.
Pense ainda na capacidade onomatopaica levada às últimas consequências, numa situação em que os sons pudessem ser imitados pelas palavras. Teríamos o toctocar, o plimplimzar, o grrrar, o ahahahzar. E os diminutivos e aumentativos usados à vontade, contraditoriamente, como bonitãozinho, pãozinhozarro?
Imagine essas possibilidades e a colaboração de regionalismos, gírias, tudo empregado com ampla liberdade de criação, com as palavras como que degustadas, e teremos uma idéia do que é ler a obra de Guimarães Rosa ou de como construir sentidos à sua maneira.
É esse o encanto a que nos remete "O Léxico de Guimarães Rosa", de Nilce Sant'Anna Martins. Trata-se de um dicionário que contém um extenso levantamento dos recursos expressivos do vocabulário de Rosa, esclarecendo formações misteriosas, recorrentes em sua obra.
Professora da Faculdade de Letras da USP, especializada em estilística, Nilce Sant'Anna dedicou dez anos a essa pesquisa monumental, relacionando em verbetes cerca de 8.000 palavras, com o respectivo abono, a localização na obra do autor e a indicação das fontes de consulta utilizadas no trabalho. Como estudo da língua portuguesa ou da obra de Guimarães Rosa, para o escritor ou para o crítico, é um volume valioso.
Ocorre que a amplitude da obra e aqui, no caso, do vocabulário de Guimarães Rosa é tamanha que a leitura deste léxico se torna uma atividade prazerosa, em que se revelam várias potencialidades da língua portuguesa. Como se fizéssemos uma leitura transversal da obra do autor, percorrendo ao mesmo tempo "Grande Sertão: Veredas", "Primeiras Estórias", "Corpo de Baile", "Outras Estórias", "Sagarana", compreendendo-se alguns mistérios, contidos em contos como "Nhinhinha", nas falas de Riobaldo ou nos prefácios múltiplos de "Tutaméia".
É o caso, por exemplo, da palavra aletria, parte do título de um desses prefácios ("Aletria e Hermenêutica") e que é, na verdade, o nome do macarrão conhecido como cabelo-de-anjo, mas que também ressoa como aletramento, ou não letra e também como alegria.
Pelo reconhecimento da formação das palavras, revela-se a cultura linguística, a erudição, mas, ao mesmo tempo, a simplicidade do autor. Vaqueiro-médico ou médico-vaqueiro, Rosa é o pesquisador da fala do sertanejo, o estudioso das línguas nórdicas, das ciências ocultas, da filosofia grega pré-socrática, levando-nos muitas vezes à conclusão de que esse conhecimento está sintetizado nos olhos e na fala do sertanejo.
Seus espaços são a serra do Mim, o Urubuquaquá, e a fala do narrador e dos personagens é como a formação das veredas: oásis no meio da aridez, onde nascem buritis e riachos, lugares em que a terra é fértil e em torno dos quais se formam pequenos povoados.
Só para aumentar a curiosidade do leitor, aí vão algumas das brincadeiras encontradas neste léxico: aeiouar, que significa emitir sons variados; boólatra , criador e amante de bois; mãezar, proteger. E 65 variantes do nome do diabo, mais de 12 páginas compostas de vocábulos formados a partir do prefixo des ou palavras dicionarizadas, embora pouco conhecidas, como jaguacacaca.
Para ser completo, seria na verdade necessário tintimportintinhar muito mais, o que infelizmentemente não cabe numa resenhazinhinha.
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