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Desde quando surgiu, o conceito de feminismo foi deturpado por uma série de preconceitos e aspectos negativos que não correspondem ao que ele realmente é. O objetivo do movimento feminista é simples: alcançar uma sociedade em que homens e mulheres tenham direitos iguais, ou seja, sem hierarquia de gênero. “O feminismo é necessário, não apenas para que as mulheres tenham direitos iguais, mas também para que possam ser respeitadas em sua humanidade”, explica Djamila Ribeiro, filósofa e pesquisadora do programa de pós-graduação em Filosofia da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH/ Unifesp) – Campus Guarulhos.
Para ela, não há como negar que vivemos em um país machista, no qual as mulheres são oprimidas em todas as esferas sociais e estão em desvantagem em relação aos homens. Os indicadores são irrefutáveis. Basta citar, por exemplo, o Relatório Global de Desigualdade de Gênero, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial no final de 2015, que aponta a disparidade salarial entre homens e mulheres no Brasil. Para cumprir o mesmo trabalho, com as mesmas funções e qualificações, as mulheres ganham 41% a menos.
A violência contra a mulher também é uma realidade. De acordo com o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil, construído com base em informações disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, a agressão doméstica e familiar é a principal forma de violência letal praticada contra as mulheres no país. Dos 4.762 homicídios de mulheres registrados em 2013, comprovou-se que 50,3% foram cometidos por familiares, sendo a maioria desses crimes (33,2%) atribuída a parceiros ou ex-parceiros.
Além da disparidade salarial e da violência, outros fatores que – para a filósofa – explicitam a hierarquia de gênero e o machismo estrutural da sociedade são: assédio e violência sexual sofridos diariamente por um número crescente de mulheres em diversos ambientes; representação política ínfima no Congresso Nacional; alta mortalidade materna; criminalização do aborto em parte devido à discussão precária sobre o tema; e educação sexista.
Outro dado importante evidenciado pelo mapa da violência é que o número de mortes violentas de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. No mesmo período, o registro anual de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%, observando-se um recuo de 1.747 para 1.576 nos anos respectivos de 2003 e 2013. “O movimento feminista existe para reduzir as desigualdades que resultam de uma mentalidade machista. Ainda assim, é um desafio pensar que somos mulheres, mas – apesar disso – não somos iguais. Uma mulher negra, por exemplo, além de ser vítima do machismo, sofre com o racismo”, argumenta a autora.
Em sua pesquisa de mestrado, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Ribeiro estabeleceu como ponto de partida a análise comparativa entre as obras O segundo sexo (1949) e Problemas de gênero (1990), produzidas respectivamente por Simone de Beauvoir, intelectual francesa que desenvolveu reflexões fundamentais sobre o feminismo a partir da década de 1950, e Judith Butler, filósofa estadunidense que retomou um debate crítico sobre gênero, sexo e sexualidade na década de 1990.
A dissertação, apresentada no segundo semestre de 2015, foi orientada pelo filósofo político Edson Luís de Almeida Teles, docente da EFLCH/ Unifesp. O objetivo inicial do projeto era entender como o discurso dessas intelectuais reverberam na ação política do movimento feminista.
Ambas as escritoras pertencem a contextos históricos diferentes, mas debatem o que seria o sujeito “mulher”. “A frase: ‘Não se nasce mulher, torna-se...’, de Simone de Beauvoir, denota que existe uma construção e uma imposição social em relação ao que é ser mulher. Beauvoir rompe com esse determinismo biológico, que dizia que as mulheres se comportavam de determinado modo devido a uma suposta natureza feminina. Ela mostra que isso se impõe a nós, antes mesmo de nascermos”, afirma Ribeiro. E exemplifica com uma divisão sexual que existe desde a infância: “Se for menina, o quarto será pintado de rosa e ela só poderá ‘brincar de boneca’. Existe uma construção do feminino e exige-se que a mulher se enquadre. Entretanto, essa construção é social e não biológica.”
Já a filósofa Judith Butler critica a categoria universal do movimento feminista, demonstrando que este deixa de fora muitas mulheres. “Butler diz que o gênero é discursivo. Ela traz uma contribuição importante para algumas correntes feministas que não aceitam as mulheres transexuais como mulheres, por exemplo”, observa Ribeiro, que ressalta a pluralidade do movimento feminista e suas vertentes. Os termos “transexual” e “transgênero” designam a condição em que a identidade de gênero de um indivíduo não condiz com a que lhe foi atribuída no nascimento a partir de seu sexo biológico