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RESUMO
Este trabalho examina, em caráter exploratório, experiências de isolamento social vividas por indivíduos portadores de hanseníase, internados na ex-colônia Tavares de Macedo, em Itaboraí, onde foram mantidas da década de 1930 até os dias de hoje, para problematizar noções sobre segregação e discriminação social presentes nesse meio. Para tanto, examina sociabilidades e redes sociais de cuidados estabelecidas na vida em comum nessa "ex-colônia de leprosos", quase sempre como alternativas às condições oferecidas pelos sistemas públicos de proteção social. Faz isso com base em narrativas de alguns desses sujeitos, vistos em suas diferenças - nas interseções das relações por sexos, classes, raças/etnias, gerações, e também por religiões e graus de escolaridade. Recorre à história oral, modo de oferecer novas interpretações qualitativas de processos histórico-sociais evidenciados nessas sociabilidades e redes, nem sempre visíveis como formas singulares de proteção social da vida em comum.
Palavras-chave: proteção social; isolamento social
Introdução
No sentido de controlar e abolir a "lepra" no país, o isolamento compulsório representou a principal estratégia, e um conjunto de práticas com esse sentido irá perdurar entre início e meados do século XX.1 A partir de 1924, o governo decidiu pela internação compulsória de portadores de hanseníase: retira-os do convívio público, admitindo que isolar o doente resguardaria a sociedade sadia. Muitos dos "suspeitos de lepra", em geral, por denúncia de vizinhos, foram capturados em seus lares, tiveram suas casas queimadas e sofreram constrangimentos provocados pela internação.
No governo Vargas (1930-1945), sob a reclusão compulsória, os doentes eram tratados com medicamento fitoterápico. A partir de 1945, com o progresso da indústria químico-farmacêutica, dissemina-se o uso da sulfona e alguns pacientes terão alta médica. Em 1959, com a adoção desse medicamento pela "Campanha Nacional Contra a Lepra", extingui-se a internação em "leprosários". Somente em 1962, entretanto, pela aprovação do Decreto nº 968, de 7 de maio, o isolamento é oficialmente extinto. Apesar disso, muitos doentes permaneceram internados e isolados. Esta política de internação compulsória só acabou de fato em 1986, quando foi recomendada a transformação de alguns "leprosários" em hospitais gerais. Na década de 1970, a Organização Mundial da Saúde recomendou o emprego da poliquimioterapia (PQT), e desde o início dos anos 1980, a doença vem sendo tratada em regime ambulatorial. Apesar de o tratamento dispensar a internação, algumas ex-colônias mantêm ainda moradores denominados "internos", nesses lugares até hoje. O Hospital Estadual Tavares de Macedo (HETM) é um deles.
Este artigo se apóia num conjunto de informes obtidos de entrevistas individuais semiestruturadas e áudio-gravadas. Ouvidas pessoas diversas, a seleção dos indivíduos para entrevistas teve caráter exploratório, adotando-se como critério inicial a condição de "interno" por eles declarada e a aceitação em participar da pesquisa. Todas as pessoas selecionadas2 têm em comum a permanência como moradoras nessa antiga colônia, embora internadas em diferentes momentos. Uma parte delas vivenciou o isolamento compulsório, enquanto outra conheceu o isolamento sem compulsoriedade. Algumas permaneceram residentes na ex-colônia, forma de acesso à assistência e ao tratamento sob o regime de asilo, numa experiência que ainda preserva marcas do isolamento.
Do conjunto de experiências, selecionamos para este artigo algumas mulheres tomadas como pessoas que, em geral, produzem práticas de cuidados e proveem cotidianamente formas de ajuda recíproca apoiadas em diversos códigos sociais (COSTA, 2002), num campo de experiências configurado como de proteção social próxima ou primária (CASTEL, 2001). São mulheres moradoras do pavilhão feminino ou que residem em casas da colônia e que se mantêm de acordo com suas disponibilidades. Suas experiências oferecem um lugar de observação de situações compartilhadas e não compartilhadas coletivamente, em diferentes sentimentos a serem conhecidos. Indicações de que este meio, como outros, organiza sociabilidades e, delas, redes de ajuda, decorreram informes extraídos do conjunto mais amplo de entrevistas.