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RESUMO
O objetivo do artigo é deslocar o interesse dos historiadores, das fontes visuais (iconografia, iconologia) para um tratamento mais abrangente da visualidade como uma dimensão importante da vida social e dos processos sociais. Após um rápido exame das contribuições trazidas para o estudo dos registros visuais e dos regimes visuais pela História da Arte, Antropologia Visual, Sociologia Visual e Estudos de Cultura Visual, o autor propõe algumas premissas para a consolidação de uma História Visual, concebida não como mais um feudo acadêmico, mas como uma conjunto de recursos operacionais para ampliar a consistência da pesquisa histórica em todos os seus domínios.IMAGEM E COGNIÇÃO
Ao se aproximar do campo visual, o historiador reteve, quase sempre, exclusivamente a imagem — transformada em fonte de informação. Conviria começar, portanto, com indagações sobre a percepção do potencial cognitivo da imagem para compreendermos como ela tem sido explorada, não só pela História, mas pelas demais ciências sociais e, antes disto, no próprio interior da vida social, na tradição do Ocidente.
Contudo, tal propósito demandaria a existência de estudos de "história da imagem", com ênfase nos seus usos e funções. É lamentável descobrir que se trata, ainda, de estudos por vir. É claro que existem algumas tentativas, como as de Freedberg1 ou Debray2 que, pela generalidade, ainda que forneçam algumas balizas e indicações sugestivas, restam insatisfatórias. Também podem ser apontados alguns recortes monográficos. Mesmo os de melhor qualidade, como os relativos, por exemplo, à Idade Média3, ao Renascimento4 ou ao Iluminismo5 têm horizontes de compromissos apenas com certo feixe de questões selecionadas. Embora nas mesmas condições, já o século XIX tem recebido maior atenção e um interesse em cobrir não só o maior número possível de usos e funções, mas também contextos mais complexos6. Mas o território pode-se considerar ainda despovoado.
Seja como for, é possível fixar algumas linhas de força. Na Antigüidade e na Idade Média não há traços de usos cognitivos da imagem, sistemáticos e consistentes. Ao contrário, dominava o valor afetivo, envolvendo não só relações de subjetividade, mas sobretudo a autoridade intrínseca da imagem. Autoridade independente do conhecimento, mas derivada do poder que atribuía efeito demiúrgico ao próprio objeto visual. Daí ser ele relevante em contextos religiosos ou de poder político e com funções pedagógicas e edificantes. Daí também a importância dos múltiplos episódios de iconoclasmo (desde a destruição de ídolos até a proibição de reproduzir figuras (em particular antropomórficas) e as ambigüidades das exceções e inversões da regra) ou dos usos ideológicos, propagandísticos e identitários da imagem (nos impérios, seja no Egito, Mesopotâmia ou Roma, seja na Cristandade). O Renascimento, por sua vez, deixa-se inundar de imagens, contemporâneas, assim como antigas, criando um lastro em que a Revolução Científica logo mais vai assentar as bases do "oculocentrismo" do mundo moderno, particularmente no que diz respeito à representação do espaço e às teorias ópticas — que não negam seus débitos para com a Antigüidade clássica. Certamente imagens cartográficas ou de anatomia, entre outras, apontam para novos usos, embora, como padrão social, a função cognitiva seja tênue. As guerras de imagens, na Reforma, ou na colonização européia do Novo Mundo7, demonstram a permanência do caráter predominantemente afetivo e ideológico, mesmo na abundante iconografia que vai ilustrar os relatos de viagens a plagas exóticas.
O primeiro campo do conhecimento em que se terá um reconhecimento sistemático do potencial cognitivo da imagem visual é a História da Arte, que se consolida no século XVIII — e não por acaso, já que se trata de seu objeto referencial específico.