Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes — escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Aos golpes do inimigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mim!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, — dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? — Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
Neste texto, conforme as tradições indígenas, o prisioneiro é preparado para um cerimonial antropofágico em que serão vingados os mortos timbiras. Ao lhe pedirem, como é próprio do ritual , que cante seus feitos de guerra e que se defenda da morte, o prisioneiro responde aos inimigos.
Após a leitura do texto, realize as atividades propostas:
1)Nesse canto do poema, o índio tupi narra a trajetória de sua vida e de sua tribo.
a) Como o índio via a si mesmo, até o momento em que foi apresentado?
b) Qual é a atual situação de sua tribo?
c) Com quem e por que o índio tupi foge?
2)Na 6º estrofe do texto, o prisioneiro faz um pedido aos inimigos:” Deixai-me viver!”
a)Que motivos alega, na 10º e na 11ª estrofes, para que o deixem vivo?
b) Destaque da última estrofe os versos em que o prisioneiro propõe um acordo. Qual é essse acordo?
3)Seguindo os modelos do Romantismo europeu e a atração pelo medievalismo, nossos escritores encontraram no índio brasileiro o representante mais direto de nosso passado medieval – único habitante destas terras antes do Descobrimento. Além disso, vivendo distante da civilização, nosso índio correspondia plenamente à concepção idealizada do “bom selvagem”, defendida por Rousseau. Observe o comportamento do índio tupi e indique:
a) uma característica dele que se assemelha às do cavaleiro medieval;
b) uma atitude dele que reforce o mito do “bom selvagem”.
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meu canto de morte. gerreiros ouvi sou filha das selvad
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