• Matéria: Português
  • Autor: manuelad
  • Perguntado 6 anos atrás

Texto 1

A força da gravidade

Rachel de Queiroz

1 Eu andava pelos 10 anos quando descobri ao mesmo tempo a matemática (aliás aritmética, por que os professores não falam mais em aritmética? Menino hoje, por mais analfabeto, só estuda “matemática”). Pois é, de repente descobri o mundo dos números e o mundo dos astros.

2 Meus avós e nós morávamos na Praça de São Sebastião, em Fortaleza: duas casas vizinhas, com um grande quintal em comum. E eu tinha dois tios — um mais velho do que eu cinco anos — Cícero, que a gente chamava de Cici, e o Felipe, um ano só mais velho do que eu. O Cici, que era meio fantasioso, começou a nos falar no céu exterior, Sol, planetas, Terra. E me revelou que a Terra levava um dia para girar em torno de si mesma e um ano inteiro para dar a volta ao redor do Sol. Foi o meu Copérnico! Até então ninguém tinha me ensinado nada, meus pais não acreditavam em educação formal, me deixavam ir lendo o que quisesse — e eu já lia até Júlio Verne —, mas não sabia fazer contas, nem gramática nem nada. A total autodidata. E a revelação do Cici me fascinou: então a Terra rodava naquela velocidade toda? E por que a gente não caía no espaço? Ele explicou que era por causa da gravidade. E eu indaguei: “Gravidade não é esperar menino novo?” Eles riram: esperar menino é gravidez, sua boba. Gravidade é a força da atração da Terra, que segura a gente no chão”. Não entendi, mas não perguntei mais nada, fiquei aborrecida por me chamarem de boba. Depois, indaguei ao Felipe: “E quanto é o tamanho da Terra?” Eles aí embatucaram. Afinal, o Felipe, que era bom de contas, se lembrou: Eu só sei que a medida de um metro é a décima milionésima parte da distância do Equador ao polo. “E daí?” “Daí, é que essa distância representa um quarto da volta da Terra. Se a gente dividir por mil para ter um quilômetro, os 10 milhões de metros (basta cortar três zeros) dá 10 mil quilômetros. Multiplicando por quatro dá 40 mil quilômetros, que é a circunferência da Terra.”

3 Era muita ciência para minha cabeça e eu mudei de tema. “E por que leva um ano para dar a volta em redor do Sol?” O Cici sabia. “Porque a volta do Sol é muitíssimo maior.”

4 Fiquei numa grande confusão e cheguei a ter pesadelos: saía voando da face da Terra perdida de repente da força da “gravidez”. A minha ideia anterior de que Sol, Lua, estrelas eram só um enfeite do céu, já não tinha sentido. Fui tomar satisfações a meu pai sobre esses assuntos de céu. “O povo diz que o céu é lá em cima e o inferno é lá embaixo. Mas se a Terra é redonda e tem céu em toda a volta, onde fica o inferno?” Meu pai, meio agnóstico, meio crente, me deu uma palmadinha carinhosa e se saiu: “O inferno é aqui mesmo. Vá brincar!” Fiquei remoendo muito tempo aquela explicação “o inferno é aqui mesmo”. Ainda hoje me belisca um pouco. Logo depois comecei a leitura de Vinte Mil Léguas Submarinas, Viagem à Lua, Viagem ao Centro da Terra e pelo menos acabei entendendo aquela história de décima milionésima parte. Às vezes me ocorria: como é que eles mediram? Então entrei no colégio, tive aulas de astronomia, tive melhor notícia do Universo. E, como todo pré-adolescente, passei a escrever meu endereço nestes termos: Rachel de Queiroz, Avenida Visconde de Cauípe, Benfica, Fortaleza, Ceará, Brasil, Planeta Terra, Sistema Solar, Universo. Acho que todo adolescente fez isso, um dia.

5 Tudo isso me veio à cabeça por causa das festas e comemorações que os homens inventaram. Por que o ano começa em janeiro ou por que janeiro começa o ano? Deve ser por causa da posição da Terra em relação ao Sol, começo do inverno no meridiano de Greenwich? Mas em cada continente o inverno começa num dado mês, e nas terras equatoriais o inverno não existe... E, afinal, qual é mesmo a extensão, em quilômetros, da órbita da Terra em redor do Sol? Isso ninguém me ensinou. Nunca. E teve um outro mistério – o que é um ano-luz? Isso só fui aprender nas vésperas de me diplomar professora. A minha escolaridade foi mesmo muito insuficiente. Em remate de males, vale o lugar-comum: a vida é que é a Grande Mestra: entre tapas e beijos, feridas que sangram ou que cicatrizam, vai nos levando ao redor do Sol; um ano atrás do outro até que chegue o descanso e nos deponham sob os clássicos sete palmos, protegidos pela gravidade.

Disponível em: .
Acesso em: 12 fev. 2015.

Releia o quarto parágrafo. A personagem ficou muito confusa, pois as explicações científicas destruíam as “verdades” de seu mundo infantil. O fato é que ela não podia distinguir as “verdades religiosas” das “verdades científicas”.

a) O pai solucionou o problema apresentado pela menina Rachel? Explique.

b) E hoje, a narradora, adulta, já solucionou o problema científico? E o religioso?

Respostas

respondido por: cauapicioli
13

Resposta:

a) Não solucionou. Explicação possível: O pai não solucionou o problema religioso — onde ficam céu e inferno —, nem o problema científico. O pai não explicou que a palavra “céu” tem significados diferentes. Com sua resposta ele a deixou ainda mais confusa.

b) O problema científico foi solucionado pelos estudos e pelo entendimento do mundo. O problema religioso ainda não, já que ela diz que a explicação de que o “o inferno é aqui mesmo” ainda hoje “a belisca um pouco”.

respondido por: juliateixeira111014
2

Resposta:

A narradora é uma pessoa adulta, que recorda o tempo de criança. A personagem é a menina, a criança, objeto das recordações da narradora. A narradora é a personagem no presente da narração; a personagem, a narradora no passado.

Explicação: plurall

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