Cálice – Gilberto Gil e Chico Buarque Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor, engolir a labuta Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa De muito gorda a porca já não anda De muito usada a faca já não corta Como é difícil, pai, abrir a porta Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontade Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade Talvez o mundo não seja pequeno Nem seja a vida um fato consumado Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno Quero perder de vez tua cabeça Minha cabeça perder teu juízo Quero cheirar fumaça de óleo diesel Me embriagar até que alguém me esqueça
Leia com atenção a letra da música Cálice, composta por Chico Buarque e Gilberto Gil. Além do uso ambíguo da palavra Cálice, quais outros trechos poderiam ser entendidos como uma forma de denúncia contra a ditadura?
Respostas
Resposta:
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Explicação:
Nestes versos, vemos a luta interior do sujeito poético para acordar em silêncio a cada dia, sabendo das violências que aconteciam durante a noite. Sabendo que, mais cedo ou mais tarde, também se tornaria vítima.
Chico faz alusão a um método bastante usado pela polícia militar brasileira. Invadindo casas durante a noite, arrastava "suspeitos" das suas camas, prendendo uns, matando outros, e fazendo sumir os restantes.
Perante todo esse cenário de horror, confessa o desejo de "lançar um grito desumano", resistir, combater, manifestar sua raiva, na tentativa de "ser escutado". Sem poder fazer outra coisa, assiste passivamente na "arquibancada", esperando, temendo ,"o monstro da lagoa". A figura, própria do imaginário das histórias infantis, representa aquilo que nos foi ensinado que devemos temer, servindo de metáfora para a ditadura.
"Monstro da lagoa" também era uma expressão usada para referir os corpos que apareciam boiando nas águas do mar ou de um rio.