Depois do almoço, Leôncio montou a cavalo, percorreu as roças e cafezais, coisa que bem raras vezes fazia, e ao descambar do Sol voltou para casa, jantou com o maior sossego e apetite, e depois foi para o salão, onde, repoltreando-se em macio e fresco sofá, pôs-se a fumar tranquilamente o seu havana.
(Bernardo Guimarães. A escrava Isaura).
“... em macio e fresco sofá, pôs-se a fumar tranquilamente o seu havana”.
Nessa passagem, a palavra “havana” foi empregada no lugar de “charuto”, isto é, o nome comum (charuto) foi substituído pela marca do produto (havana).
Ocorreu, pois, o emprego de uma figura de estilo chamada
Respostas
Resposta:Era nos primeiros anos do reinado do Sr. D. Pedro II.
No fértil e opulento município de Campos de Goitacases, à margem
do Paraíba, a pouca distância da vila de Campos, havia uma linda
e magnífica fazenda.
Era um edifício de harmoniosas proporções, vasto e luxuoso,
situado em aprazível vargedo ao sopé de elevadas colinas cobertas
de mata em parte devastada pelo machado do lavrador. Longe em
derredor a natureza ostentava-se ainda em toda a sua primitiva e selvática
rudeza; mas por perto, em torno da deliciosa vivenda, a mão do
homem tinha convertido a bronca selva, que cobria o solo, em jardins e
pomares deleitosos, em gramais e pingues pastagens, sombreadas aqui
e acolá por gameleiras gigantescas, perobas, cedros e copaíbas, que
atestavam o vigor da antiga floresta. Quase não se via aí muro, cerca,
nem valado; jardim, horta, pomar, pastagens, e plantios circunvizinhos
eram divididos por viçosas e verdejantes sebes de bambus, piteiras,
espinheiros e gravatás, que davam ao todo o aspecto do mais aprazível e
delicioso vergel.
A casa apresentava a frente às colinas. Entrava-se nela por um
lindo alpendre todo enredado de flores trepadeiras, ao qual subia-se por
uma escada de cantaria de seis a sete degraus. Os fundos eram ocupados
por outros edifícios acessórios, senzalas, pátios, currais e celeiros, por
trás dos quais se estendia o jardim, a horta, e um imenso pomar, que ia
perder-se na barranca do grande rio.
Era por uma linda e calmosa tarde de outubro. O Sol não era
ainda posto, e parecia boiar no horizonte suspenso sobre rolos de espuma
de cores cambiantes orlados de fêveras de ouro. A viração saturada de
balsâmicos eflúvios se espreguiçava ao longo das ribanceiras
acordando apenas frouxos rumores pela copa dos arvoredos, e fazendo
farfalhar de leve o tope dos coqueiros, que miravam-se garbosos nas
lúcidas e tranqüilas águas da ribeira.
Corria um belo tempo; a vegetação reanimada por moderadas
chuvas ostentava-se fresca, viçosa e luxuriante; a água do rio ainda não
turvada pelas grandes enchentes, rolando com majestosa lentidão, refletia em toda a pureza os esplêndidos coloridos do horizonte, e o nítido
verdor das selvosas ribanceiras. As aves, dando repouso ás asas
fatigadas do contínuo voejar pelos pomares, prados e balsedos vizinhos,
começavam a preludiar seus cantos vespertinos.
O clarão do Sol poente por tal sorte abraseava as vidraças do
edifício, que esse parecia estar sendo devorado pelas chamas de um
incêndio interior. Entretanto, quer no interior, quer em derredor, reinava
fundo silêncio, e perfeita tranqüilidade. Bois truculentos, e médias novilhas
deitadas pelo gramal, ruminavam tranqüilamente à sombra de
altos troncos. As aves domésticas grazinavam em tomo da casa, balavam
as ovelhas, e mugiam algumas vacas, que vinham por si mesmas procurando
os currais; mas não se ouvia, nem se divisava voz nem figura
humana. Parecia que ali não se achava morador algum. Somente as
vidraças arregaçadas de um grande salão da frente e os batentes da
porta da entrada, abertos de par em par, denunciavam que nem todos
os habitantes daquela suntuosa propriedade se achavam ausentes.
A favor desse quase silêncio harmonioso da natureza ouvia-se
distintamente o arpejo de um piano casando-se a uma voz de mulher, voz
melodiosa, suave, apaixonada, e do timbre o mais puro e fresco
que se pode imaginar.
Posto que um tanto abafado, o canto tinha uma vibração sonora,
ampla e volumosa, que revelava excelente e vigorosa organização vocal.
O tom velado e melancólico da cantiga parecia gemido sufocado de
uma alma solitária e sofredora.
Era essa a única voz que quebrava o silêncio da vasta e tranqüila
vivenda. Por fora tudo parecia escutá-la em místico e profundo recolhimento.
As coplas, que cantava, diziam assim:
Desd'o berço respirando
Os ares da escravidão,
Como semente lançada
Em terra de maldição,
A vida passo chorando
Minha triste condição.
Os meus braços estão presos,
A ninguém posso abraçar,
Nem meus lábios, nem meus olhos
Não podem de amor falar;
Deu-me Deus um coração
Somente para penar.
Ao ar livre das campinas
Seu perfume exala a flor;
Canta a aura em liberdade
Do bosque o alado cantor;
Só para a pobre cativa
Não há canções, nem amor.
Cala-te, pobre cativa;
Teus queixumes crimes são;
E uma afronta esse canto,
Que exprime tua aflição.
A vida não te pertence,
Não é teu teu coração.
As notas sentidas e maviosas daquele cantar escapando pelas
janelas abertas e ecoando ao longe em derredor, dão vontade de conhecer
a sereia que tão lindamente canta. Se não é sereia, somente um anjo
pode cantar assim.
Explicação: