Leia o conto do escritor angolano José Eduardo Agualusa (1960)
A Noite em que prenderam o Papai Noel
O velho Pascoal tinha uma barba comprida, branca, muito branca, que lhe caía em tumulto pelo peito. Estilo? Não: era desleixo, desleixo mesmo, puríssima, genuína miséria. Mas foi por causa daquela barba que ele conseguiu trabalho. Por isso e por ter nascido albino, pele de osga e piscos olhinhos cor de rosa, sempre escondidos por detrás de uns enormes óculos escuros. Naquela época, já não pensava mais em procurar emprego, certo de que morreria em breve numa rua qualquer da cidade, mais de tristeza que de fome, pois para se alimentar bastava-lhe a sopa que todas as noites dava o General, e uma ou outra côdea de pão descoberta nos contentores. À noite dormia na cervejaria, na mesa de bilhar, enrolado num cobertor, outro favor do General, e sonhava com a piscina.
Tinha trabalhado quarenta anos na piscina – desde o primeiro dia! – como zelador. Sabia ler, contar, e ainda todas as devoções que aprendera na missão, sem falar na honestidade, higiene, amor ao trabalho. Os brancos gostavam dele, era Pascoal, para aqui, Pascoal para ali, confiavam-lhe as crianças pequenas, alguns até convidavam para jogar futebol (foi um guarda-redes), outros segredavam confidências, pediam o quarto emprestado para fazer namoros.
[...] Os brancos davam-lhe palmadas nas costas:
- Pascoal, o único preto em Angola que tem casa com piscina.
Riam-se.
- Pascoal, o preto mais branco de África.
Contavam piadas sobre albinos:
- Conheces aquela do soba, no Dia da Raça, que foi convidado para discursar? O gajo subiu ao palanque, afinou a voz e começou: “Aqui em Angola somos todos portugueses, brancos, pretos, mulatos e albinos, todos portugueses.”
Os pretos, pelo contrário, não gostavam do Pascoal. As mulheres muxoxavam, cuspiam quando ele passava, ou pior do que isso, fingiam nem sequer o ver. [...]
Quando os Portugueses fugiram, Pascoal compreendeu que os dias felizes haviam chegado ao fim. Assistiu com desgosto à entrada dos guerrilheiros, aos tiros, aos saques das casas. O que mais lhe custou, nos meses seguintes, foi vê-los entrar na piscina, camarada para aqui, camarada para ali, como se já ninguém tivesse nome. As crianças, as mesmas que antigamente Pascoal expulsava a tiros de pressão de ar, faziam xixi do alto das pranchas. Até que numa certa tarde faltou a água. Não veio no dia seguinte, nem no outro, nem nunca mais. [...]
Uma espécie de cansaço desceu por sobre as casas e a cidade começou a morrer. África – vamos chamar-lhe assim – voltou a apoderar-se do que fora seu. [...]
Questão 06 - A narrativa assinala dois períodos distintos da vida de Pascoal, delimitados por um marco histórico significativo. Caracterize cada período, relacionando-os a esse marco.
Questão 07 - Segundo o narrador, Pascoal, um negro albino, não era bem quisto pelos "pretos". No entanto, a sua aceitação pelos brancos revela outra forma de preconceito. Explique.
Questão 08 - Embora a voz do narrador se encontre identificada com a visão de Pascoal, por vezes deixa entender outro ponto de vista sobre os mesmos fatos. Ilustre essa afirmação com um exemplo do texto, relacionando-o à política de assimilação imposta por Portugal.
Questão 09 - Elabore uma leitura interpretativa para o último parágrafo, relacionando-o ao contexto de produção africano que você estudou neste capítulo.
Respostas
respondido por:
7
outra côdea de pão descoberta nos contentores. À noite dormia na cervejaria, na mesa de bilhar, enrolado num cobertor, outro favor do General, e sonhava com a
fernandaalmeida29:
Que?
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