Leitura:
Já Não se Fazem Pais Como Antigamente
A grande caixa foi descarregada do caminhão com cuidado. De um lado estava escrito assim: “Frágil”. Do outro lado estava escrito: “ Este lado para cima”. Parecia embalagem de geladeira, e o garoto pensou que fosse mesmo uma geladeira. Foi colocada na sala, onde permaneceu o dia inteiro. À noitinha a mãe chegou, viu a caixa, mostrou-se satisfeita, dando a impressão de que já esperava a entrega do volume. O menino quis saber o que era, se podia abrir. A mãe pediu paciência, no dia seguinte viriam os técnicos para instalar o aparelho. O equipamento, corrigiu ela, meio sem graça. Era um equipamento. Não fosse tão largo e alto, podia-se imaginar um conjunto de som, talvez um sintetizador. A curiosidade aumentava. À noite o menino sonhou com a caixa fechada. Os técnicos chegaram cedo, de macacão. Eram dois. Desparafusaram as madeiras, juntaram as peças brilhantes umas às outras, em meia hora instalaram o boneco, que não era maior do que um homem de mediana estatura. O filho espiava pela fresta da porta, tenso, a mãe o chamou: - Filhinho, vem ver o papai que a mamãe trouxe. O filho entrou na sala, acanhado diante do artefato estranho: era um boneco, perfeitamente igual a um homem adulto. Tinha cabelos encaracolados, encanecidos nas têmporas, usava Trim, desodorante, fazia a barba com gilete ou aparelho elétrico, sorria, fumava cigarros king-size, bebia uísque, roncava assobiava, tossia, piscava os olhos – as vezes um de cada vez- assoava o nariz, abotoava o paletó, jogava tênis, dirigia carro, lavava pratos, limpava a casa, tirava o pó dos móveis, fazia strogonoff, acendia a churrasqueira, lavava o quintal, estendia roupa, passava a ferro, engomava camisas (...). O menino estava boquiaberto. Fazia tempo que sentia falta do pai, o qual havia dado no pé. Nunca se queixara, porém percebia que a mãe também necessitava de um companheiro. E ali estava agora o boneco, com botões, painéis embutidos, registros, totalmente transistorizados. O menino entendia agora por que a mãe trabalhava o tempo todo, muitas vezes chegando bem tarde. Juntara economias, sabe lá com que sacrifícios, para comprar aquele paizão. - Ele conta histórias, mãe? Os técnicos olharam o garoto com indiferença. - Esse é o modelo ZYR-14, mais indicado pra atividades domésticas. Não conta histórias. Mas assiste a televisão. E pode ser acoplado a um dispositivo que permite longas caminhadas a campos de futebol. Sabendo manejá-lo, sem forçar, tem garantia para suportar crianças até seis anos. Porém não conta histórias, e não convém insistir, pode desgastar o circuito do monitor. O garoto se decepcionou um pouco, sem demonstrar isso à mãe, que parecia encantada. Ligado à tomada elétrica (funcionava também com bateria), o equipamento paterno já havia colocado os chinelos e, sem dizer uma palavra, foi até a mesa e apanhou o jornal. - Agora vem, filhinho. Vamos lá para dentro, deixa teu pai descansar. Lourenço Diaféria
Atividades
1. Faça uma pesquisa sobre a biografia de Lourenço Diaféria. Utilize-se das mídias google e youTube , construindo um texto com as informações mais relevantes.
2. O que entendi do texto? Escreva, com suas palavras, um resumo do texto lido.
Respostas
01. Lourenço Carlos Diaféria nasceu no dia 28 de agosto do ano de 1933, em São Paulo. Ele era jornalista, cronista e contista.
Sua carreira se iniciou na, atualmente, Folha de S.Paulo (antes Folha da Manhã) em 1956. Como cronista teve seu primeiro texto assinado em 1964.
Devido a uma de suas crônica foi preso pelo Regime Militar, sendo posteriormente inocentado.
Faleceu no dia 16 de setembro do ano de 2008, devido a um infarto.
02. O texto nos faz pensar que a presença de um pai não pode ser substituída (por videogames e brinquedos, por exemplo). O texto também nos faz refletir sobre como os pais de hoje vivem no "automático", com suas vidas corridas, restando pouquíssimo tempo para estarem com seus filhos. E esse tempo geralmente não é de qualidade, já que chegam em casa cansados.
Espero ter ajudado!