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Contexto histórico
São muitos os fatores históricos que costumam ser indicados como oportunos ao nascimento da filosofia: a humanização dos deuses gregos, as viagens marítimas, o desenvolvimento de uma economia comercial urbana, a utilização em larga escala da moeda, a criação de um calendário laico, o uso do alfabeto e a atividade política.
A projeção de traços humanos nas divindades gregas ou a concepção dos deuses à imagem dos seres humanos facilita a autonomia humana em relação à religiosidade, algo que constituiria importante aspecto da especulação filosófica.
No mesmo sentido, atuam as viagens marítimas, que revelam a discrepância entre os relatos míticos e as observações geográficas efetuadas, e a adoção de um calendário desvinculado da religião, organizado com base em eventos humanos e regularidades da natureza.
A economia comercial urbana, a circulação generalizada da moeda e o uso do alfabeto também contribuem para o desenvolvimento de um pensamento abstrato, por serem atividades que exigem, em si mesmas, razoável nível de abstração.
A articulação entre esses aspectos históricos e sua participação no contexto sociocultural que explica o surgimento da filosofia apenas se tornam realmente compreensíveis no universo da pólis grega.
Nascimento da filosofia.
Estátua do filósofo grego Sócrates. Atenas, Grécia.
Nos reinos orientais da Antiguidade e no início da história antiga grega, o poder administrativo concentra-se na figura do monarca que, legitimado por sua suposta descendência dos deuses, exerce verticalmente sua autoridade e representa a noção de permanência da ordem social tecida pelas divindades.
As cidades-Estado gregas, formadas no período arcaico e consolidadas em configurações democráticas ou oligárquicas na época clássica da Antiguidade helênica (séculos V a.C. e IV a.C.), instituem uma novidade histórica. Trata-se do surgimento da política, compreendida como corpo cívico no qual os cidadãos, em igualdade de condições, apresentam propostas, debatem e participam diretamente das decisões de sua comunidade.
Nas assembleias das cidades gregas, o discurso racional assume o plano principal dos debates, pois os temas da coletividade são discutidos por cidadãos que, para a defesa de seus pontos de vista, dependem apenas da qualidade de suas argumentações.
Neste domínio público da cidadania, com suas práticas de pensamento separadas da religiosidade, transcorre a racionalização das relações sociopolíticas e a constituição de uma cultura propensa à dessacralização do saber.
Pode-se constatar que o nascimento da filosofia – investigação racional do cosmos e, posteriormente, das questões humanas – corresponde ao exercício da política na dimensão do logos (razão).
Os primeiros filósofos
Os primeiros filósofos gregos dedicaram-se ao exame da physis, termo convencionalmente traduzido por natureza. Entretanto, é preciso notar que o teor semântico de physis é mais vasto e profundo, se comparado ao significado que nossa cultura contemporânea atribui à expressão ‘natureza’.
Physis é o princípio originário, fundamento de tudo o que existe (a arqué), o princípio interno responsável pela geração e pela organização do cosmos e de seus diversos componentes. É a realidade subjacente à nossa experiência, ou seja, o que é primário, fundamental e persistente, contrastando, então, com aquilo que é secundário, derivado e transitório.
Esse entendimento mínimo sobre a noção grega de physis auxilia na compreensão da originalidade da postura de Tales de Mileto (625-586 a.C.), identificado como o personagem inaugural da filosofia pela maioria dos historiadores. Tales afirma que a água é o princípio originário, a unidade primordial do cosmos e da diversidade que encontramos em seu interior. Para o primeiro filósofo, portanto, a água é a physis, o princípio fundamental, presente na totalidade daquilo que existe.
Uma asserção desse tipo parece pouco relevante e mesmo extravagante sob o prisma contemporâneo, motivo pelo qual é necessário sublinhar o ineditismo de Tales. Ao declarar tal sentença, esse pensador esboça uma explicação racional acerca do cosmos, excluindo os pressupostos divinos da ordenação do mundo e inaugurando a problematização filosófica.
Espero ter te ajudado!! Bons estudos!!
Quando falamos em “nascimento” imediatamente percebemos o sentido de geração de alguma coisa a partir de algo que se supõe como anterior (por exemplo: os pais são precedentes ao nascimento de um filho). Assim, ao falarmos de nascimento da Filosofia poderíamos querer estabelecer não só as condições materiais que permitiram que ele ocorresse, mas também a estrutura cultural que serviria de base para um tal episódio.
Muitas foram as discussões em que se tentou ou fazer um vínculo entre os gregos e o Oriente ou evidenciar a originalidade dos gregos em relação à Filosofia. Mas segundo o helenista Jean-Pierre Vernant, nem milagre, nem orientalismo em suas extremidades, definem o surgimento da Filosofia. Isso porque claramente ela tem dívida com o Oriente em razão dos contatos com persas, egípcios, babilônicos, caldeus – mas aquilo em que ela transformou esses conteúdos resulta em algo totalmente inovador no pensamento humano.
Enquanto muitas técnicas de previsão, cálculo etc., já existiam como práticas exercidas nas culturas citadas acima, a pergunta filosófica é inteiramente radical em relação àquilo que se tinha no cotidiano: a Filosofia pergunta sobre o que é a coisa, como é constituída a coisa, qual sua origem e causa. Mas ainda aqui há uma problemática, pois antes mesmo de se fazer essas perguntas, deslocando-as para um campo lógico-conceitual, já haviam respostas dadas que satisfaziam, ao menos temporariamente, as consciências da época.
É nesse ínterim que se desenvolveu a chamada Cosmogonia (cosmos = mundo organizado, universo; gonia = gênese, origem) que foi a primeira tentativa de se explicar a realidade. Esta era baseada em mitos (narrativas) que criavam, a partir de imagens de deuses, de seres inanimados, animais, etc., a estrutura hierárquica e organizada do mundo.
No entanto, a Filosofia surge como Cosmologia (lógos = razão, palavra, discurso, contar, calcular), ou seja, a compreensão de que o mundo é, sim, organizado, mas os fundamentos de suas explicações não são meramente seres antropomórficos, mas conceitos de nossa própria racionalidade. A Filosofia surge para substituir o modelo mitológico-cosmogônico, pelo cosmológico-racional. Não quer dizer que o processo anterior seja irracional, mas apenas se constitui como uma lógica imanente, no sentido de se atrelar ao psicológico ou a conteúdos que deem forma aos argumentos, enquanto que a Filosofia, ao se fazer e se constituir, vai propor o modelo inverso, qual seja, em que a forma lógica constitui melhor os conteúdos do pensamento, ascendendo ao verdadeiro conhecimento.
Portanto, com essa inversão, há duas consequências: a primeira é a de requerer a autonomia do ouvinte ou em geral do indivíduo para si mesmo e não mais conferi-la à autoridade externa dos poetas, rapsodos e aedos (artistas da época); a segunda é a de que esse processo de logicização e conceitualização promove a distinção entre misticismo e racionalismo de modo a desvelar o homem a si mesmo, com suas potências para conhecer e agir justificadas na razão, ou seja, finda o agonismo (combate) entre deuses e homens e fica apenas o agonismo entre os homens, como superação do trágico de nossa existência.
Explicação:
O Nascimento da Filosofia. Os historiadores da Φιλοσοφία (filosofia) situam o seu nascimento no final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto. E aquele a quem primeiro atribuiu-se esse título foi Tales de Mileto.