Respostas
A história da psicologia, a rigor, não existe, ao menos no singular.
Existem, sim, inúmeras maneiras de conceber o campo do “psicológico” e
outras tantas maneiras de se inserir nesse campo, intervindo nele, praticando
“psicologia”. Entre as maneiras de pensar o “psicológico” há mesmo quem
pretenda descartar-se desta denominação e dar preferência a outros conceitos,
como “conduta” ou “comportamento”. Entre os que se situam no campo
do psicológico, há também os que pretendem fazer outra coisa que não
“psicologia” como, por exemplo, “psicanálise”. Reunir essa ampla gama de
perspectivas não é tarefa fácil e pode ser, inclusive, considerada impossível:
inevitavelmente, em qualquer exposição desse conjunto algo caótico, qualquer
aparência de unidade será conquistada com base em vieses e preferências
pessoais, dando-se relevo a certos elementos, deixando outros na sombra ou
mesmo de fora.
Além dessa variedade, as histórias das psicologias podem focalizar os
conceitos e as teorias ou podem se dedicar às práticas psicológicas. Mesmo
sabendo o quanto esses dois pólos podem estar entrelaçados, não resiste a uma
visão crítica da área a suposição de que teorias e práticas correspondam-se
umas às outras de forma muito simples. Isto é verdadeiro em qualquer área
de saber e mais ainda na nossa. Podem ocorrer imensas desproporções entre
os avanços práticos, por exemplo, e as conquistas da reflexão teorizantes, e
vice-versa.
Finalmente, seja no campo das idéias psicológicas ou afins, seja no
campo das práticas, técnicas e instrumentos psicológicos, e principalmente
neste segundo caso, a determinação histórico-social e a incidência na vida da
cultura e da coletividade precisam ser consideradas, mesmo que se admitam
determinações internas a cada um desses sistemas. Ou seja, podemos,
certamente, contar histórias “internas” das psicologias – enfatizando as relações
entre conceitos, entre conceitos e técnicas etc. –, mas também podemos e
devemos investir em histórias “externas” das psicologias, em que idéias e
práticas sejam estudadas à luz da história social e cultural. Conclusão: não
há, como dissemos na abertura, uma história das psicologias, mas inúmeras
histórias e modos de narrá-las.
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Não obstante, é indispensável incluir no processo de formação do
psicólogo essa dimensão histórica com toda a complexidade acima mencionada.
Aliás, há um último elemento que também não pode ser esquecido: além da
inserção social das psicologias em suas origens, o processo de formação deve
levar em conta a dimensão social e histórica das difusões: não é o mesmo
entrar em contato com a psicanálise, por exemplo, no Brasil urbano e na
Argentina e fazer esse mesmo contato em certas regiões em que a psicanálise
não penetrou nem, muito menos, passou a integrar uma certa camada da
cultura urbana de massas. Nesta medida, é também preciso levar em conta
os processos de difusão que condicionam, para o bem ou para o mal, as
possibilidades de encontro do psicólogo em formação com as teorias e os
sistemas que lhe são apresentados. Muitos estudantes, se não todos, entram
nos cursos de psicologia com visões bastante estreitas e preconceituosas da
psicologia, “amando” antecipadamente certas tendências e “odiando” outras,
e um dos objetivos das disciplinas formadoras – como “História da Psicologia”
– será o de enfrentar tais preconceitos. Novamente nos deparamos aqui com
o paradoxo: não há uma história da psicologia, mas é indispensável que se
apresente ao psicólogo em formação a dimensão histórica dessa área de saberes
sem reduzir sua complexa e intrincada tessitura.
A solução encontrada nesta coletânea foi o recurso a uma pluralidade
de estudos de diversos autores com formações e visões distintas, todos, porém
ao que parece, dispostos a enfrentar as agruras da convivência com seus pares
diferenciados. Não se pode esperar deste volume uma falsa unidade, uma
unificação falsificada pela imposição de trilhos interpretativos excludentes.
É toda a psicologia contemporânea – e, em alguns capítulos, seus antecedentes
modernos – que se fazem presentes a partir de muitos pontos de vista. O que
falta em unidade sobra em riqueza, tornando este livro único em seu gênero
na literatura nacional e internacional. Aqui o leitor encontrará capítulos
versando sobre os mais diferentes temas e segundo os mais diferentes ângulos
de abordagem com as mais diferentes metodologias de interpretação. A “unidade”, enfim, é garantida pela… isenta apresentação da diversidade, o que
parece ter sido o objetivo dos organizadores, de resto, muito bem-sucedidos
na seleção de temas e autores.
Este livro terá, certamente, um lugar de destaque nos cursos de
psicologia e poderá funcionar, dada a vastidão da bibliografia citada, como
uma fonte inesgotável de novos estudos e aprofundamentos.