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Comentava Michel de Montaigne em "Dos canibais", publicado no ano de 1580: "Tantos personagens eminentes se enganaram acerca desse descobrimento que não saberei dizer se o futuro nos reserva outros de igual importância"1. Não é difícil perceber que o ensaísta francês estava se referindo, neste pequeno trecho, à descoberta do Novo Mundo. Afinal, tratava-se da aparição de terras inéditas carregadas de uma realidade completamente diversa da experiência européia. No entanto, para além do evento, o autor aponta aqui algo de importância similar, ou seja, o fato desse ocorrido ter fermentado uma intensa e abrangente discussão filosófica e teológica ao longo de inúmeras décadas. Apesar de Montaigne estar escrevendo no final do século XVI, estas especulações, acerca da América e seus habitantes, atravessaram todo o XVII, permanecendo ainda latentes no Iluminismo.
Dos poucos trabalhos feitos no Brasil referentes à Colônia, e em específico sobre o impacto de duas culturas tão díspares e suas conseqüências nos debates intelectuais em voga na época, certamente podemos fazer menção ao livro de Ronald Raminelli. Em Imagens da colonização, resultado de sua tese de doutoramento em história, o autor escolhe como tema de análise um flanco pouco explorado pelos historiadores e antropólogos: a polissemia da representação do índio no imaginário europeu, tendo sempre em vista o contexto das relações coloniais.
Para tal empreitada, Raminelli levantou um rico material de pesquisa em bibliotecas e arquivos, no Brasil e no exterior, que não só perpassou as cartas jesuíticas e os tratados filosóficos, como também recuperou uma vasta iconografia produzida no período. E foi exatamente diante do confronto entre esses dois tipos de fonte, ou seja, entre texto e imagem, que o autor percebeu uma chave original de interpretação. Ao invés dessas imagens terem por referência os escritos dos europeus que aqui estiveram, elas dialogavam com muitos dos estereótipos que perambulavam pelo imaginário do Velho Mundo