• Matéria: Português
  • Autor: Anônimo
  • Perguntado 6 anos atrás

CARA OU COROA

Chegou em casa de madrugada e, para não acordar a mulher, resolveu se despir no banheiro. No que tirou a calça, uma dessas novas moedas, que havia recolhido de troco não sabia onde, saltou do bolsinho junto ao cinto, descreveu uma parábola no ar, bateu na beirada da pia, outra parábola, e foi cair direto dentro do ralo.

No momento ele não deu importância, mal percebeu o que acontecera Acabou de se despir calmamente e depois abriu a torneira, lavou o rosto, escovou os dentes, mirou-se espelho fazendo caretas, fechou a tomeira. Só então viu que a torneira na pia, com laivos de espuma de sabão e de pasta de dente, simplesmente não descia.

Com a ponta do dedo, verificou que a moeda era exatamente do mesmo calibre do ralo da pia, vedando por completo a passagem da água cano abaixo.

Em vão tentou retirá-la com a unha do indicador: não havia a menor separação entre ela e a parede do cano. E de tanto mexer com a mão ali dentro, não só acabou machucando a unha, como fez com que a água entornasse sobre as bordas da pia, molhando o chão do banheiro.

Desistiu logo: tinha mais é que dormir na manhã seguinte daria jeito

naquilo.

Na manhã seguinte foi acordado com a mulher, quando estava no melhor do sono:

- Vem ver só o que você andou aprontando esta noite.

Estremunhando, tomou o caminho do banheiro, que a mulher ihe apontava. Entrou pela água adentro até os tornozelos: o chão estava completamente alagado. Deixaria a torneira mal fechada e a água transbordava da pia por todos os lados, como uma cachoeira.

- Não fui eu - protestou ele.

- Então me diga quem foi – a mulher desafiou-o, mãos na cintura. e ele aproveitou a pia cheia para molhar o rosto,

- Foi a moeda espantando o sono.

- Moeda? Que moeda?

Uma moeda nova. Pra você ver como o nosso dinheiro anda

desvalorizado

Meteu a mão na água e, num gesto delicado de ginecologista, apalpou a

moeda com o dedo.

- Nada a fazer. Não sai de jeito nenhum.

- Deixa comigo - e a mulher o afastou com o braço, ar eficiente. Tirou da cabeça um grampo, abriu-o e ficou a esgravatar com ele as entranhas da pia. Acabou desistindo

- Que ideia a sua, jogar essa moeda al dentro

- Joguei por querer, é o que você quer dizer.

- Não sai de jeito nenhum.

- Foi o que eu disse. Só virando a pia de cabeça para baixo

Podíamos usar o ima.

ele se surpreendeu com a inesperada manifestação de inventiva da mulher. - E quem é que disse que imă funciona debaixo d'água? Além do mais, o metal dessas novas moedas é tão ordinário, que imā nenhum deve exercer atração sobre elas,

- Um ímā?

- Não custa experimentar.

- Não temos imā aqui em casa. Só comprando um. E confesso que não tenho a mais longinqua ideia de onde é que se compra imā neste mundo de Deus. Ainda mais um tão pequeno que caiba no ralo da pia.

Quem sabe um pouco de cola na ponta de um lápis .

- Cola debaixo d'água? Só você mesmo, mulher.

A gente tira a água.

- Tirar como se a pia está entupida? O jeito é chamar o bombeiro.

- Também, que diabo você tinha de voltar tão bêbado para casa, a ponto

de jogar moeda dentro da pia?

Prudentemente, ele se afundou, indo tomar seu café sem escovar os dentes. A mulher o seguiu. Em pouco o filho, de sete anos, se acomodava também à mesa, todo lampeiro, penteado e arrumado para ir à escola.

- Você lavou o rosto? Escovou os dentes? - espantou-se a mãe. - Como é que se arranjou com a pia entupida daquele jeito?

- Eu desentupi.

- Como? - Perguntaram os dois a um tempo,

- Com um pedaço de chiclete no cabo da escova.

E o menino atirou a moeda para o ar, aparando-a com as duas mãos:

- Cara ou coroa?


ATIVIDADES:

1) Leia o texto com atenção.

2) Indique os elementos da narrativa presentes na crônica "Cara ou coroa" de Fernando Sabino.

• Narrador

• Foco narrativo

• Enredo

Apresentação

Complicação

Climax

Desfecho

Personagens

• Tempo

• Espaço​

Respostas

respondido por: andriele88
2

Resposta:

Narrador, Enredo, Clímax, Tempo, Desfecho e espaço

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