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Introdução
A América Latina apresenta um alto grau de desigualdade racial e de discriminação contra populações afro-descendentes e indígenas. Isso é verdade a despeito das medidas constitucionais e estatutárias que proíbem a discriminação racial na maioria dos países da região. Nas décadas de 1980 e 1990, além da proscrição legal do racismo, vários países latino-americanos implementaram reformas visando à cidadania multicultural, as quais estabeleceram alguns direitos coletivos para os grupos indígenas. Mas em relação aos afro-descendentes não ocorreu o mesmo. Os direitos coletivos obtidos com essas reformas incluem: reconhecimento formal de subgrupos étnicos ou raciais específicos e da natureza multicultural das sociedades nacionais; reconhecimento do direito consuetudinário como direito público oficial; direitos de propriedade coletiva (especialmente em relação à terra); status oficial para a língua de minorias em regiões em que estas predominam; e garantia de educação bilíngüe. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela asseguraram pelo menos um e, em muitos casos, todos esses direitos coletivos no direito constitucional ou estatutário1. Além disso, todos esses países, com exceção de Chile, Nicarágua e Panamá, ratificaram a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Direitos dos Povos Indígenas e Tribais. As reformas da cidadania multicultural foram interpretadas como tentativas de restabelecer, mediante a inclusão de minorias étnicas e raciais antes excluídas e a reparação do antigo racismo, a legitimidade democrática do Estado, após décadas de autoritarismo e repressão em alguns países2.
Entretanto, há disparidades significativas no escopo dos direitos coletivos contemplados por tais reformas. Em quase todos os casos de reforma multicultural na América Latina, os grupos indígenas foram muito mais bem-sucedidos na obtenção desses direitos do que os afro-descendentes. Dos quinze países latino-americanos que implementaram algum tipo de reforma visando à cidadania multicultural, somente Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala, Honduras e Nicarágua estenderam alguns direitos coletivos aos afro-descendentes3. Mas mesmo nos casos em que obtiveram esses direitos, em quase nenhum país os afro-descendentes foram contemplados da mesma maneira que povos indígenas. De fato, em apenas três países da região – Honduras, Guatemala e Nicarágua – indígenas e afro-descendentes têm direitos coletivos iguais. Além disso, apenas um pequeno subconjunto de afro-descendentes – em geral comunidades rurais que descendem de escravos foragidos – conquistou direitos coletivos durante as mencionadas reformas. Apesar de a grande maioria dos afro-descendentes estar excluída das recentes reformas que asseguraram direitos coletivos, somente o Brasil e a Colômbia estão tentando elaborar outros meios legais para combater o racismo, como a legislação relativa aos direitos civis. Este artigo procura explicar o escopo desigual dos novos regimes de cidadania multicultural da América Latina e apontar suas conseqüências. Abordaremos duas questões, distintas mas relacionadas. Em primeiro lugar, por que na América Latina os afro-descendentes obtiveram menos direitos coletivos com essas reformas do que os povos indígenas? Em segundo, dado o escopo desigual, até que ponto os novos regimes de cidadania multicultural são eficazes para enfrentar o problema da desigualdade racial?
Explicação:
RESUMO
Este artigo analisa as causas da disparidade nos direitos coletivos conquistados por grupos afro-latinos durante as recentes iniciativas de reformas relacionadas à cidadania multicultural na América Latina. Em vez de atribuir o maior êxito dos índios na conquista desses direitos a diferenças no tamanho da população e a níveis mais elevados de identidade de grupo ou de organização dos movimentos indígenas, a autora sustenta que a principal causa da disparidade está no fato de os direitos serem atribuídos levando em conta uma identidade de grupo distinta, definida por meio de critérios étnicos ou culturais. Os índios estão, em geral, melhor posicionados do que a maioria dos afro-latinos para reivindicar uma identidade de grupo étnico, distinta da cultural nacional, e por isso foram mais bem-sucedidos na conquista dos direitos coletivos. A autora sugere ainda que uma das conseqüências potencialmente negativas da vinculação dos direitos coletivos à diferença cultural é que isso pode levar os grupos indígenas e afro-latinos a privilegiar, como fundamento para a mobilização política, temas relacionados ao reconhecimento cultural, em detrimento dos temas centrados na discriminação racia
estimulou inserção social de negros e índios como cidadãos.