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A porção oriental do Estado do Maranhão e Pará que, em princípios do século XVIII, congregava as capitanias do Maranhão e do Piauí teve uma história conturbada durante boa parte do período colonial. Se a sua ocupação começou poucos anos depois da conquista de São Luís aos franceses, o vasto sertão que se espraiava a sudeste dessa cidade foi marcado por recorrentes conflitos contra grupos indígenas que embaraçavam a expansão dos engenhos e dos currais dos portugueses. Região cobiçada pela Coroa, pelas autoridades e moradores, assistiu, em finais do século XVII, a um processo de expansão em direção ao leste precedido de inúmeras guerras contra os índios e sedimentado, em grande medida, por meio da doação de sesmarias, principalmente numa conjuntura de incremento do consumo das carnes, em razão do desenvolvimento das Minas. Este artigo examina esse processo, nas primeiras décadas do século XVIII, procurando conectar as guerras à expansão do gado, mas também aos interesses principalmente dos governadores do Estado.
Trata-se, assim, de entender a relação entre conflitos, gado e governadores a partir de duas questões principais: por um lado, a relação entre guerra e expansão da pecuária (que caracterizou igualmente outras regiões da América portuguesa); por outro lado, o papel dos governadores nesse processo. A indagação que nos fazemos ao analisar esse período é a de pensar em que medida a guerra e a expansão da pecuária na região oriental do Estado do Maranhão e Pará (capitanias do Maranhão e Piauí) acompanhou um movimento contemporâneo que se dava no Estado do Brasil, ou foi também marcado pela ação particular dos governadores do Estado do Maranhão e de seus interesses na região.
Os "alarves" e o "jardim" do Maranhão
Desde o início do século XVII, os portugueses instalaram engenhos nos rios que deságuam nas baías da ilha de São Luís; um dos primeiros relatos após a ocupação de São Luís e fundação da cidade de Belém, escrito pelo capitão Simão Estácio da Silveira, refere-se aos rios Itapecuru, Mearim, Munim, Pindaré e Maracu como lugares onde se poderia fundar um "reino opulentíssimo".2 Esta primeira impressão se manteve ao longo do século XVII e a região passou a ser ocupada principalmente por engenhos cobiçados inclusive pelos holandeses que ocuparam São Luís de 1641 a 1643.3 Entretanto, a partir da década de 1650, nas correspondências trocadas entre o Estado e a corte, começam a aparecer inúmeras notícias sobre a ação deletéria dos índios. Já em 1649, os índios Uruati teriam matado quatro religiosos jesuítas estabelecidos no Itapecuru.4Em 1662, o procurador do povo do Maranhão, Jorge de Sampaio e Carvalho, representava na corte que o rio Munim "tem terras e várzeas consideráveis em bonidade para nelas se plantar canas de fazer açúcar". Entretanto, explicava, nada era possível se a região não fosse defendida "dos alarves de que de ordinário é infestado".5