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Considerando-se que o esporte é um fenômeno complexo e que é estudado por vários pensadores com enfoques diferenciados, ressalto a necessidade de escolher alguns referenciais que contribuam com a reflexão sobre relações entre corpo, esporte e identidade social.
Diante da necessidade de escolhas, me direciono para o final do século XIX e início do XX no Brasil, por ser esse o contexto em que o esporte é introduzido no nosso país. Esse direcionamento ocorreu com base na idéia de que pensar sobre o presente tendo como base o passado, requer a compreensão de que a história é um processo descontínuo. Cada época possui a sua peculiaridade e apresenta avanços e retrocessos, rupturas e continuidades.
O esporte e suas interfaces
Nesse sentido, o estudo de Lucena (2001) é emblemático para refletirmos sobre a introdução do esporte no Brasil e buscarmos interfaces com as relações sociais e com os novos usos do corpo que se configuraram no referido período.
Esse autor se baseia na sociologia das emoções e revela o processo civilizatório brasileiro, por meio da análise do esporte, tendo como principal interlocutor Norbert Elias.
O sociólogo Norbert Elias destaca-se no estudo sobre o esporte moderno, por contrapor-se à tradição ocidental dualista que por abarcar uma visão reducionista contribuiu para que sociólogos ignorassem o estudo desse fenômeno, por o reconhecerem como algo negativo associado ao corpo e não à mente. Norbert Elias, então, instigado pela participação da sociedade em passatempos desportivizados, investiga a origem do esporte moderno na Europa e aponta diferenciações de práticas existentes na França e na Inglaterra (ELIAS e DUNNING, 1992).
No Brasil, Lucena (2001), ao se direcionar ao final do século XIX e início do XX apresenta transformações na cidade do Rio de Janeiro que favoreceram a introdução de formas diferenciadas de passatempo, em especial os esportes.
Nesse contexto, com a abolição dos escravos e a crescente imigração, a República brasileira é marcada pelo desejo de ir ao encontro do “moderno” e do tempo acelerado. Essas transformações se refletiram na estrutura familiar e nas inter-relações. Do interior das casas para as ruas, para as praças e para os clubes da cidade surgiram diferentes esportes que favoreceram o contato entre as pessoas e a construção de uma identidade social. Símbolo da civilização, o esporte é considerado por Lucena (2001) como componente de ascensão social e educação e como espaço de sociabilidades.
É interessante perceber ainda como as práticas esportivas contribuíram com a instauração do controle dos gestos. Mas ao mesmo tempo em que existia a necessidade de autocontrole, existia a possibilidade de vivenciar emoções e divertimentos em espaços estipulados para a prática esportiva. O uso de novas roupas, o contato do corpo com o ar livre nos espaços da rua também são algumas modificações encontradas.
Desse modo, percebemos que o esporte é extremamente relevante para refletirmos sobre os usos do corpo na sociedade brasileira no final do século XIX e início do XX. Como destaca Mauss (1974), determinados usos do corpo podem ser permitidos em um lugar e em outro pode ser proibido, o que contribui para demonstrar os símbolos morais da sociedade em que estão inseridas.
Num período em que os preceitos da Higiene Moderna ditavam modelos de saúde e regras de conduta, como podemos observar no estudo de Soares (2001), os esportes encontraram dificuldades para serem aceitos pelos defensores da Ginástica Científica.
Cabe aqui destacar que o futebol no Brasil sofreu várias críticas dos higienistas, pedagogos, escritores e inclusive de Fernando de Azevedo, um dos defensores da Educação Física. Para esses pensadores, o futebol era visto como vício de desocupados, mesmo tendo origem num país reconhecido como civilizado, como a Inglaterra. O que ocorria é que eles não atribuíram a esse esporte a prática ideal para o melhoramento da raça (LUCENA, 2001).