de acordo com o conto cem anos de perdão da Clarice Lispector
por que a narradora faz uma descrição detalhada de suas emoções para o leitor?
Respostas
Resposta:
Neste breve conto, também passado nas ruas de Recife, Clarice Lispector aborda
novamente o tema da rosa, que lhe é tão caro.
Em Cem anos de perdão ela fala de outra fantasia, tornada talvez realidade, e
cuja satisfação da conquista se assemelha a uma visita aos bairros ricos da cidade,
diferentes do seu, onde em vez de sobrados simples como aquele em que mora há
imponentes palacetes cercados de pomares e jardins, que despertam a sua admiração
e cobiça.
O relato memorialístico lembra a menina Clarice, com uma amiguinha, olhando com a
cara imprensada nas grades, estrangeiras e ávidas, o mundo de beleza e fartura
que lhes é vedado, do qual se sentem exiladas e no qual são, efetivamente, proibidas
de entrar. Elas olhavam para os palacetes e disputavam a posse imaginária deles.
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O enredo se desenvolve em torno dos cálculos da menina para roubar uma rosa de um jardim.
O objeto do roubo é tão pequeno para a importância que lhe dá a autora, que chega a
produzir uma suspeita no leitor.
Ao contrário dos demais contos, nos quais ela implora a outros a satisfação de seus
desejos, ou cede à frustração dos mesmos, neste conto ela não espera nem se conforma,
ao contrário, tece os seus ardis e vai em busca daquilo que deseja, sem se importar
com as conseqüências. É como se toda aquela exuberância e alegria alheias pudessem ser
experimentadas por vias sorrateiras, ilegais, mas tão legítimas quanto quaisquer outras.
A menina apanha a rosa, tomando cuidado para não ser vista.
Enquanto ela colhia as rosas a fim de levar para casa, a colega vigiava.
As duas, usando dessa estratégia, uma colhia, a outra vigiava, passaram a furtar rosas
com freqüência. Além de rosas, furtavam também pitangas. Ladrão de rosas e pitangas
têm cem anos de perdão. As pitangas, por exemplo, são elas mesmas que pedem pra ser
colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens.
O conto é permeado por símbolos: há a alusão ao jardim ou pomar, que evoca o Paraíso
bíblico; há a interdição às crianças, ou aos não-iniciados, da experiência das
delícias e dores do conhecimento; há os diversos motivos ocultistas que ligam à
paixão física à Paixão mística, como a rosa e seus espinhos. O erotismo não se
expressa explicitamente, portanto, mas na escolha dos objetos roubados: rosas e
pitangas; no motivo elementar e ausente do roubo: roubava simplesmente para possuir
as rosas, para comer as pitangas; mas, sobretudo, nas descrições ardentes e sensuais
da flor e do fruto, cuja adjetivação generosa não deixa dúvidas quanto ao papel
alegórico desses elementos na narrativa: A flor soberana, de pétalas grossas e
aveludadas, com vários entretons de rosa-chá. No centro dela a cor se concentrava e
seu coração quase parecia vermelho. Vermelho como as pitangas, que escondidas na
folhagem era preciso buscar às apalpadelas cegas, até sentir o úmido da frutinha.
O colher das pitangas, que muitas vezes, na sua pressa, deixava-lhe os dedos
como ensangüentados, imagem que também é utilizada na descrição da colheita da
rosa: Finalmente começo a lhe quebrar o talo, arranhando-me com os espinhos, e
chupando o sangue dos dedos, chega a sugerir sucessivos defloramentos, dedução
que a autora reforça no último parágrafo, quando diz que as pitangas pedem para
ser colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens.
Não deixa de ser estranho a autora atribuir à menina o papel de defloradora de
virgens. Mas não há como negar que a descrição das rosas e das pitangas são
sugestivas evocações do órgão sexual feminino. A evidência da proibição e a
presença marcante de uma culpa que deveria, mas não é sentida, são contrapostas
à excitação do roubo e à detalhada descrição do processo, feito a duas: a menina
vigiando, eu entrando, eu quebrando o talo e fugindo com a rosa na mão. Sempre
com o coração batendo e sempre com aquela glória que ninguém me tirava. A
satisfação do resultado contribui para a perpetuação da brincadeira: Foi tão
bom. Foi tão bom que simplesmente passei a roubar rosas.
Uma confissão íntima, velada, de algum jogo sexual infantil, arrancado
alegoricamente à memória culpada (por não sentir culpa) da mulher adulta? Um texto
ocultista, que esconde na aparente simplicidade do tema uma mensagem vedada aos
não-iniciados? Uma alusão metalingüística à natureza do exercício do seu mestrado
literário? Não me arrependo diz ela, afinal. Ladrão de rosas e de pitangas
tem cem anos de perdão.
Explicação:
Espero ter ajudado.