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Getúlio não se concedia nenhuma outra alternativa senão uma das mais notórias: o culto permanente do enigma. O sagaz e astuto estadista exercitava de forma constante o vezo de agir enigmaticamente. Era bastante contumaz esse proceder, ao qual aliava a dubiedade assemelhada à essência da predição, da incerteza, da ambiguidade, do obscuro e intrincado. Muitas vezes, Getúlio agia como um ser esfíngico, como aquele monstro fabuloso com garras de leão, cabeça de mulher, asas de águia e unhas de hárpia, que propunha enigmas ao viandante e devorava os que não conseguiam decifrá-los; em outras, agia como o “Pai dos Pobres” e, por vezes, como o carrasco que permitiu a deportação de Leocádia Prestes para os fornos crematórios de Auschwitz.
A mítica getuliana abriu vagas às comparações mitológicas, entre as quais, segundo Homero, os imortais batalham, uns a favor dos Aqueus, uns em prol dos Troianos, para localizá-lo entre os seres míticos, justapostos entre o bem e o mal.
A perseverança, o silêncio, o recato e a perspicácia foram trunfos decisórios em sua ascensão política. O enigmático silêncio de Getúlio beirava a perplexidade. Nele se refugiava no silêncio de si mesmo, profundo – às vezes sepulcral –, para o encontro com os vários “Getúlios” ocultos no seu interior, e possivelmente para não afugentá-los.
O gaúcho missioneiro, diante de ataques inimigos nas revoluções sangrentas, aprendeu a esperar, a contemplar, a perseverar propósitos e, não raro, a postergá-los. Foram essas condições que o mantiveram sempre no poder. Getúlio, camaleônico até o núcleo medular da personalidade, optava por esperar antes de qualquer postura ou decisão. Como tal, valeu-se do mimetismo para despistar, igualar-se à relva e desaparecer de uma cena, e então reaparecer em outra em que os diversos “Getúlios” aninhavam-se no seu interior. O mimetismo cultural que atribuímos a Getúlio corresponde ao fenômeno a que alguns animais recorrem para confundirem-se com os seres e objetos entre aos quais vivem e aos quais se assemelham, com eles se identificando para escaparem e defenderem-se.
O evidente em todo o seu proceder é o que traduz o envolvimento com o acontecer político: sempre acionado à matreirice selvática, escapava sem deixar rastro ou vestígios. Tudo nele conduzia à dúvida, à desconfiança e à incredibilidade. No íntimo, ao transmitir uma mensagem, ao expor uma ideia, ao contestar uma pergunta, respondia com outra pergunta ou valia-se de uma metáfora para completá-la. “Prefiro que me interpretem do que me explicar”. A questão é que ele jamais prodigalizava elementos para ser explicado – e muito menos interpretado – porque jamais se revelava.
Getúlio agia comumente de forma ambivalente, ambígua e anfibológica, como as respostas do oráculo à Pirro. A maioria das respostas suas eram dúbias e duvidosas, sempre destinadas a confundir e desorientar, ou postergar o que não lhe convinha. As comunicações verbais de Getúlio, em determinados casos, apresentavam-se por “linhas transversas”, especialmente quando desejava levar o adversário a pensar no que ele próprio pretendia que estivessem pensando sobre ele (Getúlio).
Um dos grandes trunfos que integrava seu processo mental era lançar uma certa confusão para desorientar os ouvintes, mas, no fundo, o que ele pretendia era deixá-los pensando, intrigados e curiosos, a se perguntarem “o que Getúlio quis dizer quando afirmou tal coisa?”
Cultivou sempre o imprevisto e várias vezes o improviso e afinava a contemplação; usava a surpresa e a contemporização. Jamais se definia, tampouco se descerrava diante do episódio mais dramático. Preferia contemplar qualquer mensagem antes de agir. Ele era o homem dos contrastes. Apesar de recatado, limitado em suas emoções, e até mesmo exercendo um autopoliciamento sobre elas, nutria um imenso poder de comunicação, uma empatia inigualável. Sua aparente simplicidade deslumbrava, comovia e intrigava, especialmente os inimigos e adversários, que temiam seus efeitos, por vezes inexplicáveis, mas que modelavam as intenções das massas. Eis por que Getúlio foi um dos líderes políticos que mais atraiu inveja, e mais tempo se manteve no poder.
O famoso sorriso, um tanto estereotipado, compunha o conjunto enigmático que lhe pertencia por inteiro. Getúlio não acalentava a mínima restrição em liberar gargalhadas diante de alguma comunicação, muitas vezes sem motivo aparente. Com relação a esse riso, por vezes imotivado, sua filha Alzira é quem melhor o define em Getúlio Vargas, Meu Pai[1]. Sua eficiente auxiliar, relatando um episódio quando o secretariava, diz textualmente: "Ele ria mais para ele mesmo do que para mim, um riso malicioso e interior". Às vezes as frequentes risadas assumiam o mesmo conceito das anedotas do chefe.