• Matéria: Português
  • Autor: silenelusilva
  • Perguntado 5 anos atrás

A moça tecelã ( Marina Colasanti)

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das

beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia

passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã

desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete

que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava

na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na

penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos

rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e

espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para

que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes

pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de

escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha,

suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu

fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha,

e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca

conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam

companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto

barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de

entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de

pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que

teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos,

logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a

não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo,

agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios

verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer

resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e

pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para

chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e

entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da

lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para

ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a

porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de

luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer

era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior

que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como

seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com

novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre,

sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao

contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu

tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois

desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente

se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e,

espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o

desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as

pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado

chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara.

E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu

na linha do horizonte.

Agora que você fez uma reflexão sobre as mulheres desde a época

de José de Alencar, e leu um texto de Marina Colasanti...

1) Reflita sobre os enredos de cada texto lido. Qual deles lhe parece fugir

da realidade? Por que?

R:​

Respostas

respondido por: shaolinmatador013
2

Resposta:

a 1

Explicação:

sou brabo

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