01. Leia este texto, do poeta Manoel de Barros:
Cabeludinho
Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele foi estudar
no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava
de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de palhaço. Minha avó
entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo-mundo riu. Porque aquela preposição
deslocada podia fazer de uma informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas
palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada
um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não disiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo
trouxe um perfume de poesia à nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do
que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar
de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam.
Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena, não me escreve / que eu não sei a ler.
Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.
Fonte: BARROS, M. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.
02. Responda às questões a seguir.
a) O narrador recorda um fato engraçado de sua infância: a avó dizer aos amigos que ele tinha
voltado “de ateu” do Rio de Janeiro. O que se esperava que a avó dissesse na ocasião?
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b) O narrador compara a forma “voltar de ateu” à expressão “fantasiado de palhaço” no carnaval.
- Que sentido diferente ganha a frase da avó com o emprego da preposição?
- Portanto, a frase “Minha avó entendia de regências verbais” é dita pelo narrador de modo
sério ou de modo irônico?
c) Na frase “Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas”, o narra-
dor empregou o verbo brincar como transitivo indireto, regendo a preposição de. Que outra
preposição esse verbo pode reger? Justifique sua resposta com exemplos.
d) Na frase “Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade”, o narrador poderia ter dispen-
sado a preposição por. Entretanto, que sentido essa preposição acrescenta ao enunciado no
contexto?
e) Na frase cantada pelo vaqueiro – “Ai morena, não me escreve/ que eu não sei a ler”:
- Por o narrador estranha o emprego da preposição a?
- Levante hipótese: Por que, na visão do narrador, a preposição a aumenta a solidão do
vaqueiro?
Respostas
2.
a) Esperava que a avó dissesse que ele foi estudar no Rio e voltou ateu.
7.
b)
A expressão "voltar de ateu" dá a entender que a mudança sofrida pelo eu lírico não é genuína e verdadeira. Ou seja, a mudança trata-se apenas uma moda, algo passageiro.
A frase dita pelo narrador sobre a forma de falar da avó é expressada com ironia.
c)
A preposição "com". Por exemplo: aprendi a brincar com palavras.
d)
A preposição "por" têm sentido de aprovação ou validação.
e)
De acordo com a norma padrão, o verbo "saber" não exige a presença de preposição, pois trata-se de um verbo transitivo direto. Ou seja, a frase seria: "não sei ler".
No entanto, o uso desnecessário da preposição "a" faz com que o termo "eu" esteja ainda mais distante do termo "ler", ação o aproximaria um pouco de sua amada.
Espero ter ajudado, bons estudos.
Resposta:
2 – a) Se esperava que ela dissesse que ele foi estudar no Rio e voltou ateu.
b) A expressão dita dá a entender que ocorreu uma mudança do eu lírico, que não é verdadeira ou genuína. Isto é, é somente algo passageiro. E a frase dita pelo narrador é feita de forma irônica.
c) A outra preposição é a “com”, um exemplo é: aprendi a brincar com as palavras.
d) A preposição acrescenta o sentido de validação ou mesmo de aprovação.
e) O narrador estranha, pois o verbo ‘saber’ não exige a presença de preposição, visto que é um verbo transitivo direto. E a frase seria: “não sei ler”.
Mas a utilização desnecessária da preposição “a” faz com que o termo “eu” esteja ainda mais distante do termo “ler”, ação que o deixaria mais próximo de sua amada.