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Na esmerada produção gráfica, a novidade é a fotografia de Bob Wolfenson, que retrata o próprio Lázaro Ramos na capa, fato que por si já constitui uma mensagem enunciativa e discursiva para o público leitor. Este pode presumir erroneamente, antes mesmo de abrir o livro, que é vaidade pretenciosa do escritor autorretratar-se. Entretanto, a imagem ilustrada nos convida a fazermos interlocuções com o título da obra, e também redimensiona a possibilidade de convergência com as memórias do autor. Tornou-se um hábito de inúmeros leitores do livro Na Minha Pele tirarem fotografias para as redes sociais retratando-se na seguinte posição: colocam sobre metade de seus rostos parte da obra literária, e fotografam-se em simbiose com esta. A leitura que fazemos é provocada pela intencionalidade da proposta, que tende, antes mesmo do abrir as páginas do livro, a fazer o leitor ter empatia e colocar-se no lugar do outro, para que de alguma maneira possa desvestir-se de ideias preconcebidas ao iniciar a leitura.
O livro inicia-se com o prefácio intitulado “A Saga do Camarão”, no qual o escritor, mesclando humor e seriedade, por meio da metáfora do desaparecimento real do artrópode, nos conta como nasceu a proposta narrativa. Vale ressaltar o conflito inicial em relação à escrita da obra, em que Lázaro admite o receio de problematizar a questão racial.
Fazer um livro sobre o ponto de vista de uma exceção não ajuda em nada a questão da exclusão dos negros no Brasil. Meu Deus, como fazer um relato quase autobiográfico sem tornar o texto uma apologia a mim mesmo e meus pares um pouco mais bem sucedidos. (RAMOS, 2017, p.11).
Em relação ao fragmento citado, cabe apontar que, ao contrário do que pensa o autor, sua escolha e objetivos narrativos não o estigmatizam. Obviamente que este fala de um lugar de privilégio econômico e cultural, mas, na condição de escritor negro, por onde quer que seu texto ecoe não deixará de ser marcado enquanto voz de uma categoria étnica historicamente subalternizada. Frantz Fanon, em sua obra Pele negra máscaras brancas (2008), ressalta que “há uma zona de não ser, uma região extraordinariamente estéril e árida, uma rampa essencialmente despojada, onde um autêntico ressurgimento pode acontecer. A maioria dos negros não desfruta do benefício de realizar esta descida aos verdadeiros Infernos.” (FANON, 2008, p. 26) Em diálogo com o excerto, quero inferir que autoafirmação do negro é necessária, não é maléfica, possibilita libertar-se.
Lázaro reconhece modestamente que é um iniciante na escrita narrativa e afirma não ser um estudioso das relações raciais. Percebemos nesta breve introdução aspectos que estarão presentes em todo livro como “fluxo de informações, sentimentos e reflexões” (RAMOS, 2017, p.13). Outra característica presente na obra, que a torna tanto prazerosa quanto curiosa, são as inúmeras referências literárias, históricas, sociológicas, musicais e cinematográficas. Para os que as desconhecem, o livro é um convite a novas descobertas e para os que as têm na memória a leitura torna-se um presente.
Cabe ressaltar, a delicadeza do autor em rememorar algumas personalidades negras em sua narrativa: o poeta Luiz Gama; as escritoras Ana Maria Gonçalves e Conceição Evaristo; a jornalista Glória Maria; o cineasta e primeiro protagonista negro da televisão brasileira, Zózimo Bulbul; o geógrafo Milton Santos; o cineasta Joel Zito Araújo; o historiador Jaime Santana Sodré, o escritor e estudioso Nei Lopes; o professor Carlos Augusto de Miranda Martins, dentre outros ilustres nomes. Estes não estão gratuitamente em sua escrita, há observações e ressonâncias de suas ricas vozes, a maioria delas originária das entrevistas realizadas no Programa Espelho.
Na minha pele constitui-se de linguagem despojada que se divide em onze capítulos, que podem ser lidos fora da sequência. Todos se complementam e retornam ao raciocínio anterior. São eles: “A ilha”, “Quero ser médico”, “Entre o laboratório e o palco”, “A ribalta”, “Conexão”, “Imaginário”, “Escolhas”, “Empoderamento e afeto”, “Quando fiquei sem resposta”, “O filtro” e “A roda”.
O primeiro capítulo, “A ilha”, rememora o lugar de infância do escritor, Ilha do Paty, distrito de São Francisco do Conde, a 72 quilômetros de Salvador. Neste lugar estão guardadas as reminiscências do primeiro afeto, da convivência com os mais velhos, da recordação da família materna e paterna, da liberdade da meninice, e também da lembrança de um país desigual, “a ilha abriga, basicamente quatro famílias – os Queiroz, os Amorim, os Ramos e os Sacramentos” (RAMOS, 2017, p. 17). Somando-se a isto há um reclame nos fragmentos pela ausência de registros dessas famílias, e da própria origem desta localidade. Na ilha, a maioria dos moradores era negra, a única moradora branca era uma curandeira. A discriminação e os preconceitos não foram vivenciados neste lugar, pelo contrário, a imagem simbólica era de pertencimento e celebração das raízes.
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