Respostas
Explicação:
Quando eu era adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz. Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor. Por sorte, meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou pedagogos desavisados. Graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a juventude era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas. Com isso, evitei uma depressão profunda, pois, uma vez que a adolescência, que eu estava vivendo, não era paraíso algum – nunca é –, qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção? Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: quando a gente é adolescente, a felicidade é algo que só será possível no futuro, na idade adulta; quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi – a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes. Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de outra época da vida – futura ou passada.
No filme de Arnaldo Jabor, “A Suprema Felicidade” (2010), o avô (Marco Nanini) confia ao neto que a felicidade não existe e acrescenta que, na vida, é possível, no máximo, ser alegre. Concordo com o avô do filme. E há mais: para aproveitar a vida, o que importa é a alegria, muito mais do que a felicidade. Então, o que é a alegria? Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto […] Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível, sobretudo, no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime – “descobri a penicilina, solucionei o problema do Oriente Médio, mereci o Paraíso”. Para justificar a vida, bastam as experiências – agradáveis ou não – que a vida nos proporciona, à condição de que a gente se autorize a vivê-las plenamente. Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é. Para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais, de feitos sublimes. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo.